7 de mar. de 2010

Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo


Foto: Cíntia Bracht

Natural

Março de 2010. Estou sozinho em casa como estive durante todo o final de semana. Chove em Porto Alegre. Me recupero da festa de ontem. Penso no que fazer hoje. Planejo a semana que começará. Não choro.

Em março de 2009, eu chorava todos os dias. Durante meses entre o natal e o natal, eu praticamente chorei o Arroio Dilúvio sem deixar nenhum surfista imbecil vir surfar em mim. Lembro que eu, às vezes, estava no computador trabalhando e, do nada, algo me vinha à mente e eu tinha que me deitar e chorar durante uns minutos. Me secava, repunha as energias e voltava para minha cadeira de sempre, my own little chair where I can be whatever I want to be. Saía das aulas do mestrado e vinha a pé pela Redenção olhando a paisagem. Então, começava a chorar e corria pra casa. Me trancava no quarto, me sentava no chão e chorava mais um pouco. Não me privei de nada. Músicas, fotos, lembranças... Não afastei nada de mim porque isso sempre me soou como se eu tivesse protelando sensações. E eu não queria protelar nada. Sabia que eu tinha um caminhão de depressão pra enfrentar, então, como um bom capricorniano, resolvi fazer o que tinha que ser feito. E fiz.

Hoje há uma amiga vivendo exatamente a mesma situação. E já ouvi falar de tantos amigos de amigos na mesma que achei bom começar o texto sobre “Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo” dessa forma. Sentado dentro da Sala Carlos Carvalho, vi eu mesmo me debatendo com um mundaréu de planos, de sonhos, de desejos que tinham sido inutilizados e todas as memórias que ficavam plantadas ao meu lado como se dissessem: “Estamos sem casa. Dê-nos pouso.” Diego Mac, como até agora tem feito, dirige o espectador para um lugar de paredes muito criativas. O Grupo Gaia inova sempre em termos de fruição. O espetáculo se torna nosso, se torna do público, se torna do ser que já viveu ou já testemunhou as sensações das personagens. A gente olha e ouve o que a dança tem pra dizer. Dito, chega a nossa vez de falar. Então, conversamos com o espetáculo e ele diz: “Olha, eu não disse nada!”. E você responde: “Disse, sim!” E ele: “Estou calado. Você é quem ouviu isso e está me responsabilizando... Seu maluco!” E, com um sorriso escapando, a peça vai embora, termina e você fica pensando se realmente ela disse o que você ouviu ou se foi seu passado que está voltando para se fazer de simpático.

O grupo assume o cansaço. Enfrenta-o. Cansaço é uma sensação tão válida como as outras. Nem tudo pode ser comédia. Nem tudo pode ser drama. Nem todo o teatro pode ser apenas uma narração horizontal com início, meio, ápice e fim. O Grupo Gaia nos deixa cansados se utilizando de signos teatrais apurados e uma técnica invejável. Não é uma sensação do tipo que “não deve ser vista” porque não te leva para o nada a não ser para elogiar o diretor e dizer: “Parabens, você é o cara!”. É uma sensação que te provoca, que te instiga, que te lembra: “Isso é ruim. Proteja-se. Não deseje isso para ninguém. E, quando acontecer com você, faça o que tiver que ser feito.” “Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo” trata do cansaço da dor. Quando você está sofrendo com tantas roupas pesadas e dias frios e sente saudades da bermuda. Quando seus olhos baixam para a parte de baixo do roupeiro e você vê sua manta nova e fica ansioso para que a temperatura baixe e você possa usá-la. Quando você quer logo que o choro passe, seu coração fique limpo novamente e outras pessoas possam entrar e você volte a ser feliz. Ou seu amigo, ou seu parente, ou o amigo do seu amigo porque você não quer ver ninguém triste.

A dor de uma separação faz parte da vida como também a alegria de um encontro. Com alegria, o grupo de excelentes bailarinas e profissionais que fazem a capital gaúcha de orgulhar encara o sentimento e produz um espetáculo bonito de se ver, interessante de se refletir, saudável para se vivenciar. Com exceção da longa cena em que a personagem de Daniela Aquino” lê um texto (que parece sem fim), o ritmo se mantém firme, constante produzindo no espectador uma certeza que me pareceu inaugural, pelo menos pra mim. Você não precisa olhar para ver. Você pode olhar o reflexo e ele dirá tanto quanto ou mais que a imagem real.

Explico: em vários momentos do espetáculo, me peguei olhando para o chão, para uma rosa vermelha, para o lustre, para o nada. De entediante o espetáculo não tem nada, então, por que é que eu não olhava para as bailarinas? Porque as estava vendo. Na dança, os gestos emanam certas energias que, na proximidade que o espectador fica nesse espetáculo, podem chegar ao público muito rapidamente. Então, eu, olhando para a esquerda, sabia exatamente o que estava acontecendo à direita. Porque a música, o corpo, o movimento, a estética estava em toda parte e era um todo do qual eu também fazia parte. Se a dedicação altamente elogiável desse grupo em pesquisar o que pode ser feito é o primeiro ponto que ressalto, o segundo é, sem dúvida, sua capacidade (e talento) em criar o que não pode ser feito porque se faz ao natural.

Há coisas que se fazem ao natural. O acalmar das emoções é uma delas. Acontece sozinho e é preciso ter paciência para esperar o fim.

Nesse caso, felizmente, eu tive.

*

Ficha Técnica:
Direção Geral e Coreografia: Alessandra Chemello
Direção de Arte: Diego Mac
Elenco: Alessandra Chemello, Daniela Aquino, Fabi Vanoni e Joana Amaral
Figurinos: Raquel Cappelletto
Cenário: Myriam Vanoni e André Eloy Paim
Trilha Sonora: Alessandra Chemello e Diego Mac
Iluminação: Grupo Gaia
Assistente de Produção e Coordenação Técnica: Sandra Santos

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