Hotel Fuck – Num dia quente a maionese pode te matar
Foto: divulgação
Uma boa piada bem contada
“Hotel Fuck – Num dia quente a maionese pode te matar” é o quarto espetáculo da Santa Estação Cia de Teatro, fundada em 2003, dirigida pela diretora, Mestre em Artes Cênicas, Jezebel de Carli. Trata-se de uma única peça dividida em três episódios que não funcionam de forma independente, exigindo que, para a compreensão do todo e para o deleite do público, a assistência destine três noites de sua agenda para fruir a produção. No todo, o espetáculo oferece não só momentos de prazer, como, também, muitos motivos para refletir. Sem dúvida, olhando para o momento em que a peça surge no cenário porto-alegrense, pode-se dizer que ela é o resultado de um processo de amadurecimento do teatro gaúcho no cruzamento com o cinema e a estética pop, urbana e consumista. Diones Camargo, enfim, atinge a maturidade enquanto dramaturgo gaúcho, colocando-se ao lado dos grandes nomes que nossa história já coleciona: Qorpo Santo, Carlos Carvalho, Vera Karam e Ivo Bender.
“Hotel Fuck” é uma novela. Tem uma trama principal e algumas paralelas que servem como sustentação. Cada personagem diz respeito a um plot, lidera um núcleo. Gradativamente, as amarravas vão se soltando, os conflitos vão se resolvendo e a trama principal é a última a se resolver. Como em qualquer (boa) telenovela, é nas cenas finais que tudo parece fazer sentido. E a evidenciação dessa tendência é o que garante o fato do amadurecimento de Diones Camargo, que, desde Andy/Edie (Dir. João de Ricardo, Cia. Espaço em Branco, 2006) só oferecia ao público da capital gaúcha textos vinculados ao pós-dramático, esses cheios de imagens, de frases desconexas e de situações limites, sem corpo nem forma.
No primeiro episódio de “Hotel Fuck”, que se chama “Cavando a porta do inferno”, conhecemos os personagens e os conflitos principais. A história de Nick é contada pelo transexual Jesse/Jéssica. Ao ficar órfão, Nick (Denis Gosh) fora adotado pela família de sua mãe. Ainda um garotinho morando com os tios (Larissa Sanguiné e Rafael Guerra) e com as sobrinhas (Ana Carolina Moreno e Gabriela Greco), num dia quente, ele viu seu cachorrinho de estimação ser sacrificado pela tia. Fora de si, e motivado por vários momentos de tortura com os familiares, ele se torna uma assassino, tirando a vida de todos da casa. Os anos passam e vemos o mesmo Nick novamente, já adulto, num quarto do Hotel Fuck. Ele está com sua namorada, a prostituta Linda (Gabriela Greco) e conta a ela que teve uma visão. Ele decide partir para um lugar distante de tudo e de todos, não mais continuando a matar e esquartejar nenhuma mulher, ato esse que, até então, ele vinha praticando impune e com freqüência. Não suportando a ideia de ficar sozinha, Linda resolve se vingar. Embora outros personagens apareçam nesse episódio, ficamos sabendo que Nick e Linda são os protagonistas da peça e o que, em termos dramatúrgicos, nos faz voltar para o segundo episódio é o desejo por saber o que acontecerá com eles.
No segundo episódio, que se chama “Uma temporada no paraíso”, no entanto, novos personagens e novos conflitos aparecem. Loureen (Ana Carolina Moreno) é uma diretora de cinema apaixonada pela atriz principal, Ashley (Larissa Sanguiné), que, por sua vez, é ex-namorada de um outro ator do mesmo filme, Humphrey (Rafael Guerra). Não conformado com o fim do relacionamento, Humphrey quer ter Ashley de volta, mas a atriz não quer nem o ex-namorado, nem Loureen. O público que assiste ao segundo episódio de Hotel Fuck vai para o capítulo final com mais conflitos para resolver.
No terceiro episódio, que se chama “Eles atiram em lobos”, no entanto, há um novo conflito. O transexual Jessé/Jéssica e Audrey, que já tinham aparecido nos episódios anteriores, ganham espaço para finalmente fazer sentido no texto. Foram namorados no passado quando também assaltaram um banco. Jesse, que escrevia roteiros de filmes eróticos, roubara o dinheiro da parceira e contratou Nick para matá-la, impedindo-o de fazê-lo posteriormente. Jesse fugiu com o montante, disposto a emprega-lo inteiro numa cirurgia de troca de sexo. O tempo passa. Audrey não morreu, mas se ligou a Linda numa vingança contra Jesse/Jéssica e contra Nick.
A história se passa no mesmo lugar: o Hotel Fuck. Quando a peça termina, no terceiro dia, os atores da Santa Estação Cia de Teatro se emocionam. Quem assiste, no entanto, fica confuso em pensamentos, tentando unir as peças do quebra-cabeça, ansioso por um tempo para organizar as histórias, lembrar dos detalhes a que assistiu dois dias antes e na noite anterior, entender as cenas que acabou de ver e conferir se as dúvidas que restaram são ou não essenciais. Tudo isso antes de aplaudir ou em meio aos aplausos que, feliz, dá. O texto de Diones Camargo, afinal, oferece cenas muito interessantes, diálogos fortes e potentes. Seus personagens são ricos e a forma como ele estabelece as relações entre as figuras tem diálogo direto com a contemporaneidade, dando à direção muitos bons recursos para a tradução teatral. No entanto, “Hotel Fuck” carece de elementos que confiram maior clareza e ofereçam a segurança, que pode ser desnecessária nos textos pós-dramáticos, esses que dependem do desconforto, mas é essencial para o bom fruir de uma história, sobretudo quando essa se estrutura no gênero novela.
A encenação só tem aspectos positivos. Jezebel de Carli investe fortemente na criação desses múltiplos e paralelos universos, produzindo para tanto cenários, figurinos, trilha sonora, maquiagem e grandes interpretações que tornam teatro o que é a literatura de Camargo. Se há não-entendidos no texto, tudo é coerente e bem colocado na encenação. A Santa Estação Cia de Teatro parte do lixo que é humano, que é cultural e artístico para construir o universo desse Hotel Fuck. Sua manifestação é feita de uma matéria que se encontra no texto de Camargo, mas que também está nas músicas, nas referências estéticas, no lugar onde a encenação acontece (o pátio da Usina do Gasômetro) e na intenção de recuperar o homem por trás do produto.
A história de um psicopata que mata a sua família e esquarteja mulheres é facilmente encontrável em livros de quinta categoria vendidos a moedas nas bancas de revista. Essa mesma fonte produz peças de figurino (sobretudo de lã sintética, perucas de kanekalon, máscaras do Mickey,...), de cenário (geladeira azul, baú de madeira, um ônibus escolar amarelo,...), de maquiagem (olhos de Laranja Mecânica, sombra no olho esquerdo mas não no olho direito, baton rebocado,...) e de trilha sonora (trilha sonora de filmes e músicas bastante conhecidas) que se tornam artigos preciosos nas mãos inteligentes de Carli e de seu grupo. A criação de uma situação de set de filmagem é rica porque está vinculada narrativamente à personagem Loureen, dando significado também à opção da dramaturgia de contar a história de forma tão segmentada (A ordem de gravação das cenas num set de cinema nunca é a narrativa, mas sempre é estabelecida pelas necessidades de produção.). Além disso, a opção pelo contexto “set de filmagem” arregimenta de forma potente a opção estética que inclui cores, formas e texturas vinculadas ao pop. (Pop aqui entendido como estética dos funcionáveis, em que a arte é vista como manifestada naquilo que é prático, usável, presente no dia a dia e não pertencente a museus como um objeto raro.) Nesse mesmo sentido, Carli cria cenas de musical em que os personagens dançam e dublam, errando as coreografias ou as letras e tornando esses erros justamente o lugar por onde sua proposta respira. Em “Hotel Fuck”, quando vemos a contra-regragem preparar as cenas ou dar apoio a elas, quando o ônibus escolar atropela a cancela do gasômetro, quando o isqueiro não funciona, nos sentimos tão dentro da peça como quando tudo funciona sem barreiras.
Apesar do texto ser o elemento mais importante de “Hotel Fuck”, deve-se dizer que aquele que consegue o melhor resultado é, sem dúvida, o cenário e a forma como o grupo conduz as suas trocas. Dentro da proposta estética, magnificamente bem sustentada, os painéis móveis coloridos são movidos a fim de construir salas grandes e pequenas, ruas, corredores, esquinas. As telas são vazadas, o que também motiva o sentido de falta de privacidade, e o fato de não nos interessarmos pelo que está além delas exibe a certeza de que o que acontece na frente é muito mais importante. Quando as telas se abrem e vemos o fundo, a Usina, com gente correndo, peças de figurino no chão, iluminação, tudo parece ser, ainda, o cenário ideal para essa história ser contada. Qualquer que seja a fonte teórica da análise, a conclusão sempre será a mesma: quando podemos dizer que algo é coerente numa narrativa é porque a própria narrativa criou a sua própria linguagem. Esse é o caso e a prova do sucesso de “Hotel Fuck”.
Quanto às interpretações, o elenco consegue, tanto no nível de produção do espetáculo (enquanto artistas, os atores viabilizam a complicada construção da peça, essa envolta numa parafernália perigosa e complicada), como no nível da contagem da história (enquanto artistas cênicos, os atores interpretam personagens), excelentes resultados. Em algum momento, todos os personagens são protagonistas, o que é, imagino, um presente para o ator, porque oferece a ele a oportunidade de mostrar o seu talento e o resultado da sua técnica. No caso de “Hotel Fuck”, é um presente para cidade também, porque o que se vê é uma união de grandes artistas.
Talvez por conta do texto, mais do que da encenação, Nick e Linda, isto é, Denis Gosh e Gabriela Greco, têm a sua disposição melhores recursos narrativos do que seus colegas. No triângulo Humphrey – Ashley – Loureen, temos duas pessoas que amam uma, que, por sua vez, não ama nenhum dos dois, mas ama a si mesma. Na dupla Jesse e Audrey, temos Audrey que ama Jesse ou o dinheiro que ambos conquistaram. Entre Nick e Linda, o sentimento é outro. Nick é um assassino e poderia ter matado Linda como sempre faz, mas não fez. Linda quer ser morta e não entende porque não o foi pelas mãos de Nick. Vida e morte, amor e ódio são amarras que estruturam as falas, os olhares, as intenções desses dois personagens. Nos corpos de Gosh e de Greco, esses significados ganham eficientes significantes e, da mesma forma que não é possível separar um lado de uma moeda do outro, a assistência acredita em cada verdade dessa excelente dupla de atores e aceita o convite que a encenação como um todo faz para ouvirmos essa história que dura três dias.
Existem muitas piadas. Uma delas “diz que, se Lúcifer tivesse que transferir o inferno para uma nova sede, ele certamente escolheria o Hotel Fuck.” A Santa Estação Companhia de Teatro mostra-se como uma boa “contadora de piadas” e seu novo espetáculo uma de suas melhores histórias.
*
Ficha técnica:
Uma boa piada bem contada
“Hotel Fuck – Num dia quente a maionese pode te matar” é o quarto espetáculo da Santa Estação Cia de Teatro, fundada em 2003, dirigida pela diretora, Mestre em Artes Cênicas, Jezebel de Carli. Trata-se de uma única peça dividida em três episódios que não funcionam de forma independente, exigindo que, para a compreensão do todo e para o deleite do público, a assistência destine três noites de sua agenda para fruir a produção. No todo, o espetáculo oferece não só momentos de prazer, como, também, muitos motivos para refletir. Sem dúvida, olhando para o momento em que a peça surge no cenário porto-alegrense, pode-se dizer que ela é o resultado de um processo de amadurecimento do teatro gaúcho no cruzamento com o cinema e a estética pop, urbana e consumista. Diones Camargo, enfim, atinge a maturidade enquanto dramaturgo gaúcho, colocando-se ao lado dos grandes nomes que nossa história já coleciona: Qorpo Santo, Carlos Carvalho, Vera Karam e Ivo Bender.
“Hotel Fuck” é uma novela. Tem uma trama principal e algumas paralelas que servem como sustentação. Cada personagem diz respeito a um plot, lidera um núcleo. Gradativamente, as amarravas vão se soltando, os conflitos vão se resolvendo e a trama principal é a última a se resolver. Como em qualquer (boa) telenovela, é nas cenas finais que tudo parece fazer sentido. E a evidenciação dessa tendência é o que garante o fato do amadurecimento de Diones Camargo, que, desde Andy/Edie (Dir. João de Ricardo, Cia. Espaço em Branco, 2006) só oferecia ao público da capital gaúcha textos vinculados ao pós-dramático, esses cheios de imagens, de frases desconexas e de situações limites, sem corpo nem forma.
No primeiro episódio de “Hotel Fuck”, que se chama “Cavando a porta do inferno”, conhecemos os personagens e os conflitos principais. A história de Nick é contada pelo transexual Jesse/Jéssica. Ao ficar órfão, Nick (Denis Gosh) fora adotado pela família de sua mãe. Ainda um garotinho morando com os tios (Larissa Sanguiné e Rafael Guerra) e com as sobrinhas (Ana Carolina Moreno e Gabriela Greco), num dia quente, ele viu seu cachorrinho de estimação ser sacrificado pela tia. Fora de si, e motivado por vários momentos de tortura com os familiares, ele se torna uma assassino, tirando a vida de todos da casa. Os anos passam e vemos o mesmo Nick novamente, já adulto, num quarto do Hotel Fuck. Ele está com sua namorada, a prostituta Linda (Gabriela Greco) e conta a ela que teve uma visão. Ele decide partir para um lugar distante de tudo e de todos, não mais continuando a matar e esquartejar nenhuma mulher, ato esse que, até então, ele vinha praticando impune e com freqüência. Não suportando a ideia de ficar sozinha, Linda resolve se vingar. Embora outros personagens apareçam nesse episódio, ficamos sabendo que Nick e Linda são os protagonistas da peça e o que, em termos dramatúrgicos, nos faz voltar para o segundo episódio é o desejo por saber o que acontecerá com eles.
No segundo episódio, que se chama “Uma temporada no paraíso”, no entanto, novos personagens e novos conflitos aparecem. Loureen (Ana Carolina Moreno) é uma diretora de cinema apaixonada pela atriz principal, Ashley (Larissa Sanguiné), que, por sua vez, é ex-namorada de um outro ator do mesmo filme, Humphrey (Rafael Guerra). Não conformado com o fim do relacionamento, Humphrey quer ter Ashley de volta, mas a atriz não quer nem o ex-namorado, nem Loureen. O público que assiste ao segundo episódio de Hotel Fuck vai para o capítulo final com mais conflitos para resolver.
No terceiro episódio, que se chama “Eles atiram em lobos”, no entanto, há um novo conflito. O transexual Jessé/Jéssica e Audrey, que já tinham aparecido nos episódios anteriores, ganham espaço para finalmente fazer sentido no texto. Foram namorados no passado quando também assaltaram um banco. Jesse, que escrevia roteiros de filmes eróticos, roubara o dinheiro da parceira e contratou Nick para matá-la, impedindo-o de fazê-lo posteriormente. Jesse fugiu com o montante, disposto a emprega-lo inteiro numa cirurgia de troca de sexo. O tempo passa. Audrey não morreu, mas se ligou a Linda numa vingança contra Jesse/Jéssica e contra Nick.
A história se passa no mesmo lugar: o Hotel Fuck. Quando a peça termina, no terceiro dia, os atores da Santa Estação Cia de Teatro se emocionam. Quem assiste, no entanto, fica confuso em pensamentos, tentando unir as peças do quebra-cabeça, ansioso por um tempo para organizar as histórias, lembrar dos detalhes a que assistiu dois dias antes e na noite anterior, entender as cenas que acabou de ver e conferir se as dúvidas que restaram são ou não essenciais. Tudo isso antes de aplaudir ou em meio aos aplausos que, feliz, dá. O texto de Diones Camargo, afinal, oferece cenas muito interessantes, diálogos fortes e potentes. Seus personagens são ricos e a forma como ele estabelece as relações entre as figuras tem diálogo direto com a contemporaneidade, dando à direção muitos bons recursos para a tradução teatral. No entanto, “Hotel Fuck” carece de elementos que confiram maior clareza e ofereçam a segurança, que pode ser desnecessária nos textos pós-dramáticos, esses que dependem do desconforto, mas é essencial para o bom fruir de uma história, sobretudo quando essa se estrutura no gênero novela.
A encenação só tem aspectos positivos. Jezebel de Carli investe fortemente na criação desses múltiplos e paralelos universos, produzindo para tanto cenários, figurinos, trilha sonora, maquiagem e grandes interpretações que tornam teatro o que é a literatura de Camargo. Se há não-entendidos no texto, tudo é coerente e bem colocado na encenação. A Santa Estação Cia de Teatro parte do lixo que é humano, que é cultural e artístico para construir o universo desse Hotel Fuck. Sua manifestação é feita de uma matéria que se encontra no texto de Camargo, mas que também está nas músicas, nas referências estéticas, no lugar onde a encenação acontece (o pátio da Usina do Gasômetro) e na intenção de recuperar o homem por trás do produto.
A história de um psicopata que mata a sua família e esquarteja mulheres é facilmente encontrável em livros de quinta categoria vendidos a moedas nas bancas de revista. Essa mesma fonte produz peças de figurino (sobretudo de lã sintética, perucas de kanekalon, máscaras do Mickey,...), de cenário (geladeira azul, baú de madeira, um ônibus escolar amarelo,...), de maquiagem (olhos de Laranja Mecânica, sombra no olho esquerdo mas não no olho direito, baton rebocado,...) e de trilha sonora (trilha sonora de filmes e músicas bastante conhecidas) que se tornam artigos preciosos nas mãos inteligentes de Carli e de seu grupo. A criação de uma situação de set de filmagem é rica porque está vinculada narrativamente à personagem Loureen, dando significado também à opção da dramaturgia de contar a história de forma tão segmentada (A ordem de gravação das cenas num set de cinema nunca é a narrativa, mas sempre é estabelecida pelas necessidades de produção.). Além disso, a opção pelo contexto “set de filmagem” arregimenta de forma potente a opção estética que inclui cores, formas e texturas vinculadas ao pop. (Pop aqui entendido como estética dos funcionáveis, em que a arte é vista como manifestada naquilo que é prático, usável, presente no dia a dia e não pertencente a museus como um objeto raro.) Nesse mesmo sentido, Carli cria cenas de musical em que os personagens dançam e dublam, errando as coreografias ou as letras e tornando esses erros justamente o lugar por onde sua proposta respira. Em “Hotel Fuck”, quando vemos a contra-regragem preparar as cenas ou dar apoio a elas, quando o ônibus escolar atropela a cancela do gasômetro, quando o isqueiro não funciona, nos sentimos tão dentro da peça como quando tudo funciona sem barreiras.
Apesar do texto ser o elemento mais importante de “Hotel Fuck”, deve-se dizer que aquele que consegue o melhor resultado é, sem dúvida, o cenário e a forma como o grupo conduz as suas trocas. Dentro da proposta estética, magnificamente bem sustentada, os painéis móveis coloridos são movidos a fim de construir salas grandes e pequenas, ruas, corredores, esquinas. As telas são vazadas, o que também motiva o sentido de falta de privacidade, e o fato de não nos interessarmos pelo que está além delas exibe a certeza de que o que acontece na frente é muito mais importante. Quando as telas se abrem e vemos o fundo, a Usina, com gente correndo, peças de figurino no chão, iluminação, tudo parece ser, ainda, o cenário ideal para essa história ser contada. Qualquer que seja a fonte teórica da análise, a conclusão sempre será a mesma: quando podemos dizer que algo é coerente numa narrativa é porque a própria narrativa criou a sua própria linguagem. Esse é o caso e a prova do sucesso de “Hotel Fuck”.
Quanto às interpretações, o elenco consegue, tanto no nível de produção do espetáculo (enquanto artistas, os atores viabilizam a complicada construção da peça, essa envolta numa parafernália perigosa e complicada), como no nível da contagem da história (enquanto artistas cênicos, os atores interpretam personagens), excelentes resultados. Em algum momento, todos os personagens são protagonistas, o que é, imagino, um presente para o ator, porque oferece a ele a oportunidade de mostrar o seu talento e o resultado da sua técnica. No caso de “Hotel Fuck”, é um presente para cidade também, porque o que se vê é uma união de grandes artistas.
Talvez por conta do texto, mais do que da encenação, Nick e Linda, isto é, Denis Gosh e Gabriela Greco, têm a sua disposição melhores recursos narrativos do que seus colegas. No triângulo Humphrey – Ashley – Loureen, temos duas pessoas que amam uma, que, por sua vez, não ama nenhum dos dois, mas ama a si mesma. Na dupla Jesse e Audrey, temos Audrey que ama Jesse ou o dinheiro que ambos conquistaram. Entre Nick e Linda, o sentimento é outro. Nick é um assassino e poderia ter matado Linda como sempre faz, mas não fez. Linda quer ser morta e não entende porque não o foi pelas mãos de Nick. Vida e morte, amor e ódio são amarras que estruturam as falas, os olhares, as intenções desses dois personagens. Nos corpos de Gosh e de Greco, esses significados ganham eficientes significantes e, da mesma forma que não é possível separar um lado de uma moeda do outro, a assistência acredita em cada verdade dessa excelente dupla de atores e aceita o convite que a encenação como um todo faz para ouvirmos essa história que dura três dias.
Existem muitas piadas. Uma delas “diz que, se Lúcifer tivesse que transferir o inferno para uma nova sede, ele certamente escolheria o Hotel Fuck.” A Santa Estação Companhia de Teatro mostra-se como uma boa “contadora de piadas” e seu novo espetáculo uma de suas melhores histórias.
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Ficha técnica:
Direção: Jezebel De Carli
Texto: Diones Camargo
Elenco: Ana Carolina Moreno, Denis Gosch, Jeffie Lopes, Gabriela Greco, Larissa Sanguiné, Luciana Rossi, Rafael Guerra
Cenário: Juliano Rossi
Figurino: Fabrízio Rodrigues
Iluminação: Luiz Acosta
Diretor Cenotécnico: Gilberto Goularte
Assistente Cenotécnico: Thiago Lobato/Alan
Eletrecistas: Alexandre Marques e Sombra
Direção, captação e edição de vídeos: Bruno Goularte Barreto
Trilha sonora pesquisada: Jezebel De Carli, Larissa Sanguiné, Jeffie Lopes e Diones Camargo
Direção de produção: Jezebel De Carli
Produção Executiva: Palco Aberto Produtora
Assessoria de Imprensa: Gisela Sparremberger
Blog: Gabriela Grecco e Jeffie Lopes
Realização Santa Estação Cia de Teatro
Contato: Santa Estação Cia de Teatro: Ana Carolina Moreno 551 51.84288009
Jezebel De Carli 551 51.96964595/85850010
Contato: Hotel Fuck: Rodrigo Marquez 551 51.96264292
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