Pimenta do Reino em Pó
Foto: Betânia Dutra
A habilidade no simples: o prazer de assistir
“Pimenta do Reino em Pó” é o novo espetáculo com texto e canções de Cláudio Levitan, que, entre tantas obras no teatro, na literatura e nas artes gráficas, é o responsável pelo doce “Pé de Pilão”. A produção tem direção de Suzi Martinez e quem assina é o Grupo Não Me Acorda Pro Café, estreante no teatro profissional gaúcho. A peça é uma ótima opção para quem quer levar seus filhos, seus amigos, as crianças para um bom e qualificado divertimento.
Tudo o que o teatro construiu e acumulou em termos do gênero teatro infantil (sim, é um gênero) está ali e faz com que a produção, de um modo geral, atinja ótimos resultados. O tom de voz agudo dos personagens, o jeito ingênuo e inseguro com que os atores se movem, os joelhos flexionados constantemente, o excesso de cores nos figurinos, um roteiro claro que embasa uma história de aventura em que haja crianças, idosos, monstros e sonhos, enfim, tudo aquilo que permite aproximar essa peça das demais peças clássicas do teatro infantil, aquelas em que o referente não são crianças reais, avós e avôs reais, mas referentes próprios do imaginário cultural, está ali de forma potente e plenamente manifesta. Qualquer adulto já sabe o final da história desde sua primeira cena, mas sabe porque um dia foi criança. “Pimenta do Reino em Pó”, além de ser teatro infantil é teatro para crianças. E elas ficam com medo da Bruxa com muitos narizes, elas têm pavor da grande aranha e torcem para que as três crianças-personagens, seus representantes narrativos, consigam achar o avô que se perdeu. E quem tem uma criança dentro de si sorri ao reparar que está sentindo o mesmo.
A polícia é chamada porque o avô sumiu. A avó está apavorada e tenta disfarçar para que seus três netos (dois irmãos e um primo) não saibam o que está acontecendo. Mas eles sabem, afinal, criança não é boba. No misterioso porão, onde nunca se pode entrar, há um buraco sob o tapete. O avô deve ter caído lá dentro e indo parar no mundo subterrâneo. Corajosos, eles vão resgatá-lo após encontrar um velho livro que pertenceu ao avô do avô. A produção de Rossano Gastaldo, Rogério Beretta e Zé Victor Castiel arregimentou animações de Roberto Scherer com desenhos e ilustrações de Zorávia Bettiol e Carina Levitan, que, além de ratificar o gênero em questão (o desenho animado faz parte do repertório cultural do imaginário infantil), dão movimento, agilidade e graça para a narrativa. Os figurinos de Cláudio Benevenga, confeccionados nos mínimos detalhes, não oferecem problemas e, por isso, auxiliam o roteiro: a bruxa é má, os monstros são diferentes, a avó é a avó, o policial é o policial e as crianças são as crianças. Ao dirigir todo esse aparato para um lugar que se estrutura como um todo diegético, Suzi Martinez ocupa o espaço cênico, dribla a inexperiência dos atores, oferece o melhor que é possível e não nos deixa outra alternativa se não aplaudir essa nova peça do teatro gaúcho.
Provavelmente porque tudo está confortável, não há nenhuma interpretação ruim em “Pimenta do Reino em Pó”. Todos os atores exibem segurança no desenho de seus personagens, possibilitando o encontro com diferentes figuras que fazem parte da história. O senão está na execução das músicas.
Porto Alegre está com uma mania perigosa de musical. Entre os tantos gêneros e possibilidades narrativas de contar uma história ou produzir uma peça de arte, o musical exige do grupo (e, por vezes, do texto) certas necessidades que, sem elas, fica-se quase impossível o bem apresentar. (O teatro circense, por exemplo, é outro gênero exigente. Sem boas cordas, sem equipamento adequado e sem treino específico, o fruir de uma peça assim se torna um péssimo programa.) As canções de Levitan, nos arranjos de Simone Rasslan, por melhor que sejam, e são, não são teatro até que as letras e os tons estejam na voz dos atores em cena aberta. Para serem bons, ou é preciso uma carga vocal adequada, além, claro, de afinação, ou de microfones. Em “Pimenta do Reino em Pó”, não há nem carga vocal (a voz dos atores quando esses cantam é baixa.) e também não há microfones infelizmente. Os atores cantam, mas não ouvimos a sua voz e não compreendemos o que é dito. As canções ficam confusas de forma que os números musicais se salvam pelas coreografias de Sayonara Sosa, sempre muito habilidosa em utilizar as possibilidades que o elenco lhe oferece para criar bons e belos quadros, e pelos arranjos que ouvimos à guisa das letras.
Crianças de todas as idades vão encontrar, sem dúvida, uma hora de prazer e contentamento na plateia desse espetáculo, ficando, por fim, o convite para voltar a encontrar o Saci do porão e ver o que as crianças fizeram com ele depois de tê-lo capturado.
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Ficha Técnica:
Direção Musical, Arranjos e Trilha: Simone Rasslan
Sonoplastia: Alexandre Saraiva
Equipe Cenográfica
Pinturas: Zorávia Bettiol
Ilustrações: Carina Levitan
Animação: Roberto Scherer (apixel)
Elementos: Suzi Martinez
Figurinos e Maquiagem: Cláudio Benevenga
Coreografias: Sayonara Sosa
Iluminação: Anilton Souza
Assessoria Digital: Mariana Groth e Manuela Albrecht
Produção Executiva: Rossano Gastaldo
Produção e Divulgação: Rogério Beretta e Zé Victor Castiel
Direção e Adaptação: Suzi Martinez
Elenco:
Ariel Santos
Carla Elgert
Elisa Vogel
Maitê Felistoffa
Rebecca Wenck
Rossano Gastaldo
Vitório Beretta
Wagner Wiprich
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