28 de nov. de 2010

Tholl - imagem e sonho


Foto: Gabriel Olivera

Teatro em Tholl



Tholl – Imagem e sonho é um espetáculo de teatro-circo, como o próprio grupo o apresenta em seu site. Dessa forma, o interessante que uma análise como essa pretende ser consiste numa tentativa de identificar os elementos fronteiriços, o lugar das colaborações que acabam por contribuir tanto com um lado como com o outro. O conceito da semiótica de que teatro é quando A interpreta B diante de C cai por terra quando olhamos esse espetáculo. Nele, fica a pergunta: que B é esse que A interpreta para C?

Está claro que o espetáculo esforça-se ao máximo para encher os olhos: habilidades circenses todas empregadas otimamente, coreografias de dança desenhadas e expressas com um rigor em detalhes, dispostas ao público sem erros, exploração dos níveis e das profundidades, além, claro, de figurinos belíssimos. No entanto, mesmo cheios, os olhos estão vazios: Tholl – Imagem e sonho não conta nenhuma história, nem trata de nenhum tema. E como explicar um monte de significados em busca de significantes?

Sem utilizar nenhuma ferramenta deleuziana, a questão fica em torno da beleza do espetáculo, somente prejudicada pelo cenário, esse totalmente em desconexão com todos os outros elementos tão harmonicamente disponíveis aos olhos do espectador. Quase não há texto, há muitos movimentos e o excesso de cores e de diferenças sonoras na trilha aguçam os sentidos. A sucessão de quadros oferece à obra a coerência necessária para atingir público de todas as idades. Assim como as cores e os movimentos tem seus empregos carregados, as diversas situações ampliam o arsenal de possibilidades de Tholl – imagem e sonho.

Há três cenas em que a lente do teatro enxerga melhor alguns dos seus significantes na obra dispostos: a Enfermaria, Carmen e o “Circo”. As verbalizações existentes quase são incompreensíveis, o que contempla os não falantes de português (estrangeiros e crianças bem pequenas). No primeiro quadro, há três enfermeiras. Duas pessoas do público são chamadas a participar. Uma delas deita na maca e a outra serve de abajur. Deixando de lado o constrangimento que esse tipo de ação causa, principalmente, em quem aceita (de livre vontade) participar, o uso é uma forma de incluir o público no palco de maneira direta. Das três enfermeiras, uma delas chama bastante atenção, sendo que as outras assumem papel de coadjuvantes cênicos, embora não o sejam dramaturgicamente. Carmen é uma brincadeira em cima da ópera de Bizet, incluindo a participação de um touro e de Dom José. Dos três, o quadro do “Circo” é, talvez, o menos interessante. Gorilas e domadores entram e executam ações desconexas: perseguição, queda, danças, pulos e caminhadas. São esses três, é preciso que se diga, os momentos em que o público mais ri no espetáculo, deixando o êxtase para os momentos menos teatrais e mais circences ou extravangantes (aqui me refiro às extravanganzas, gênero teatral muito explorado em Nova Iorque, no início do século XX, tendo Florence Ziegfeld como seu maior expoente.).


Por que esses são os momentos mais teatrais? Há uma dramaturgia bem clara neles: há um início, um meio e um fim bastante definidos no interior de cada quadro. Além disso, os atores participantes desses momentos interpretam personagens de fácil identificação: uma enfermeira, um gorila, Dom José... A construção desses personagens agem no todo do quadro: as enfermeiras (bem como a narração over scenne que as apresenta) delimitam o espaço (uma enfermaria de hospital) e um tempo (contemporaneidade: saias curtas, corte do figurino, trilha sonora). Os outros também... Espanha no século XIX e um circo em algum lugar no espaço imaginário idealizado. Os elementos cênicos são potentes nesse conjunto dramático: uma maca confirma a enfermaria, os chifres deixam ver o touro, o chicote, os domadores. Cada todo tem em si a oposição que gera o conflito que gera o drama: Carmen se opõe a Dom José e ambos ao touro. As enfermeiras se opõem entre si e com o paciente. Os domadores aos gorilas. E as oposições se sucedem e se resolvem entre si: o paciente vai embora, Carmen fica com o touro, o circo se desfaz. Nenhum desses aspectos pode ser encontrado nos outros quadros. Há elementos de oposição (cima versus baixo, fundo versus frente, movimentos quadrados e movimentos circulares, etc), mas essa oposição não constrói um drama, um conflito que age em favor de um fim. A oposição visual aprofunda o quadro, enriquece a cena, mas nesse sentido é menos teatral é mais circense. O perigo, o desafio físico, o risco de vida são elementos das artes circenses e essas são muito exploradas nos outros momentos de Tholl: imagem e sonho. As figuras são personagens menos claros, mais híbridos. As situações são mais pantanosas e com estruturas menos perceptíveis. O teatro, nesses outros espaços, ocupa um lugar menor. E percebemos isso pelas vezes que em que ele ocupa maiores dimensões.

Com os olhos cheios, as pessoas saem do teatro em êxtase. De fato, é um espetáculo bastante interessante e que merece ser visto, sobretudo pelo profissionalismo expresso em quase todos os seus recursos.

*


Ficha técnica


O elenco de Tholl é formado pelos artistas:
Cassia Sanches
Deniel Santos
Douglas Paiva
Fábio Marques
Fernando Jurgina
Gabriela Sanchi
Gutto Rangel
Kátia Martins
Kleber Moreira
Lara Santos
Luana Wraque
Miriam Torres
Nicolas Rodrigues
Ricardo Bach
Rodri Aliandro
Tysso Rangel


As crianças:
Júlia Sacramento
Lucas Gallarça
Marina Weymar
Thomaz Santin


Concepção de Figurinos e Adereços - João Bachilli
Cenografia - Grupo Tholl
Cenografia Eletrônica - Bruno Fonseca
Criação e Técnico de luz - Betinho Cavalheiro
Operador de Áudio - Cristian Rodrigues
Contra-regras - Aline Silveira e João Luz
Assessoria de Comunicação - Amália Nogueira
Direção de Produção: Neuza Neves
Produção Executiva - Elaine Acosta
Assistência de Direção - Sandra Jorge

DIRETOR GERAL: JOÃO BACHILLI

Diretoria OPTC

Presidente: João Bachilli
Vice-presidente: Deniel Santos
Primeiro secretário: Adriane Silveira
Segundo secretário: Miriam Torres
Primeiro tesoureiro: Elaine Acosta
Segundo tesoureiro: Sandra Jorge

Conselho Fiscal Titular
Neuza Neves, Grazi Zanolla e João Luz

Conselho Fiscal Suplente
Nicolas Rodrigues, Kleber Moreira, Nina Souza

25 de nov. de 2010

5 tempos para a morte

Foto: Lutti Pereira


Natural

O espetáculo 5 tempos para a morte fala de morte de um jeito bastante simples. O maior valor da produção, sem dúvida, é a forma sensível e delicada com que a Usina do Trabalho do Ator apresenta o tema. Interessa aqui aquilo que está um passo após a definição do assunto a ser tratado num espetáculo criado coletivamente: o jeito como o tema será apresentado, exposto aos espectadores. Na plateia dessa peça, sente-se a sutileza bem empregada, necessária, vital na oxigenação do teatro gaúcho.

Como o grupo faz um espectador sentir isso?

Na forma lenta como a sucessão das cenas acontece. O ritmo não é parado, nem irregular: é lento mesmo. Isso faz com que muitas questões fiquem imanentes à espera pacientemente de trato. Uma vez que muitas ações não são contextualizadas, nem tem justificativa, o público fica na espera, mas não é convidado a desenvolver a ansiedade.

Como o grupo não convida o espectador para a ansiedade?

Nesse espetáculo, os atores olham para o público de rosto aberto, de cara limpa, mantendo um tom acolhedor. Nesse ponto de vista, a morte não faz mal, nem talvez faça bem, mas acontece e é natural. Não se corre a ela, nem se foge dela: mas sabe-se que ela virá um dia. “Numa cena, tudo será explicado!”

A produção não explica todas as formas de que se utiliza para existir no espaço/tempo cênico em que existe. Com isso, cria uma atmosfera gris, em que não sabemos ao certo onde estamos pisando, em que sentimos um certo desconforto, mas avançamos cheios de curiosidade. Celina Alcântara, Ciça Reckziegel, Dedy Ricardo, Gisela Habeyche e Thiago Pirajira contam suas histórias e nos acalentam nessa insegurança. Há uma canção, Marcha Rancho (Flávio Oliveira), que se repete, que marca os tempos para a morte, que define ou organiza o tempo da narrativa. Não há corre-corre, não há movimentos bruscos, nem desorganização. A direção de Gilberto Icle é limpa. Sua limpeza constrói um universo seguro.

Preparados pela célebre e competente Marlene Goidanich, o grupo de atores apresenta um excelente preparo vocal. Dime robadora que mereci é lindamente interpretada e aparece nos momentos mais sublimes da produção. São espaços de tempo que fogem do palco e fazem avançar o tema. É quando o palco pergunta pra plateia a sua opinião: os nossos pensamentos parecem responder.

Gisela Habeyche, provavelmente porque interpreta uma atriz e, por isso, tem uma identificação maior com o público e consigo mesma, apresenta uma construção que se destaca no todo da produção. Seu espanhol falado traz uma cor diferenciada para a personagem, um misto de graça e melancolia que enternece, principalmente quando ela conta histórias e confunde sua vida com elas. Há uma cena em que ela sola uma canção: é um momento imperdível! No jeito como olha, como canta, como se movimenta, a atriz sustenta uma figura cheia de força e energia que prende a atenção do espectador.

O cenário não acompanha os mesmos bons valores da produção. As caixas são pesadas e o esforço empregado para que se movimentem não compensam os resultados estéticos delas em cena. Acabam por ser lugares onde os personagens se escondem para, depois, reaparecer, representam a igreja e também ajudam a modificar o nível do lugar cênico, mas, mesmo assim, o transtorno que é seu movimento não supera o pouco interesse que elas despertam sobre si próprias.

Há outro espetáculo em Porto Alegre que versa sobre variações do mesmo tema. Ele também tem uma dramaturgia que é construída com a participação de histórias reais e inserções literárias. O interessante é ver esse tipo de teatro dissertativo acontecendo na capital de forma tão valorosa, competente e exemplar. O UTA, fundado em 1992, é um dos grupos mais importantes do Estado e é ótimo vê-lo respirando e fazendo sonhar com tão bons ares.

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FICHA TÉCNICA
Elenco: Celina Alcântara, Ciça Reckziegel, Dedy Ricardo, Gisela Habeyche e Thiago Pirajira.
Direção: Gilberto Icle
Assistência de Direção: Shirley Rosário
Iluminação: Bathista Freire
Figurinos e Cenografia: Chico Machado
Acessórios Cênicos: Marco Fronckowiak e Maura Sobrosa
Músicas: Flavio Oliveira
Produção: Anna Fuão
Fotos: Claudio Etges

21 de nov. de 2010

Nove mentiras sobre a verdade


Foto: Renata Biglia

Isso é coisa de teatro

Num determinado momento de Nove mentiras sobre a verdade, Lara, a personagem interpretada por Vanise Carneiro, pergunta por que, afinal de contas, quando as espaçonaves explodem nos filmes, ouvimos o som da explosão se, como dizem os cientistas, o som não se propaga no vácuo. Na vida real, então, as explosões são silenciosas no espaço sideral, mas, nos filmes, é preciso haver o som para que o espectador reconheça e se identifique com a imagem. O som, no espaço, assim, é coisa de cinema. E, se sabemos o que é coisa de cinema, conseguimos saber o que é coisa de teatro?

Nove mentiras sobre a verdade é recheado de "coisas de teatro" e, pelos bons usos que faz delas, é um excelente espetáculo.

Outro dia, vi num blog um equivocado resultado de uma pesquisa interesseira sobre denegação. (Pesquisa interesseira é quando alguém se apropria de uma teoria de forma selvagem, isto é, descontextualizando o texto e o autor, recortando a fala e alterando o caráter final da ideia como uma forma de obrigar a reflexão a se curvar diante do que o pesquisador quer. É o interesse que move esse tipo de pesquisador e não a curiosidade científica infelizmente.) Consiste na capacidade dos elementos cênicos em atuarem de forma negativa no espetáculo teatral. Por forma negativa, não se entende algo de ruim em oposição a algo positivo ou bom. A negatividade aqui tem outro sentido.

Explico: num filme, numa fotografia ou num quadro, uma mesa nunca é uma mesa, mas é um algo que representa uma mesa, uma imagem, uma sombra, uma indicação. A mesa do mundo não-fictício tem valor positivo, porque a temos em nossa casa, nos sentamos a ela, nos servimos dela, podemos encostar nela. A mesa do cinema é uma imagem: ela aponta, ela representa, ela figura. A mesa do teatro, no entanto, é uma mesa igual a uma mesa do mundo não-teatro, mas ela tem valor negativo. Por quê? Porque o espectador não pode encostar nela, não pode sentar-se a ela, não pode servir-se dela, embora possa fazer tudo isso quando a peça termina. Denegação, assim, é um conceito teórico que não dá conta de mistura de gêneros e de concepção teatral, mas dos usos da linguagem teatral em relação a outras linguagens. Uma mesa no cinema aponta para uma mesa no mundo não-cinematográfico e para a mesa no contexto fabular do filme. Uma mesa no teatro aponta para uma mesa no mundo não-teatral, para uma mesa no mundo fabular da peça de que faz parte e, também, para si própria, já que ela é, de fato, uma mesa. A relação denegativa, assim, só acontece no teatro, porque é somente nesse exercício artístico que alguém interpreta alguém diante, ou na presença física, de outro alguém.

Ao entrarmos no teatro, encontramos um rapaz sentado sob um foco de frente para a plateia que, aos poucos, se enche. Ninguém fala com ele, ninguém o cumprimenta, ninguém acena ou interage. Todos reconhecem que, embora invisível, há uma barreira que negativiza a relação entre os dois lados. O rapaz sai e a cadeira fica vazia. Ninguém ocupa o lugar dele. Eis que chega Lara, a personagem. Ela, sim, senta na cadeira. A cadeira e Lara fazem parte do mundo teatral, do mundo fictício. Nós não. O que vemos, a partir daí, é Vanise Carneiro e uma cadeira, o tempo inteiro, trabalhando em cima da construção e da afirmação dessa relação: estou diante de ti, mas não sou feito da mesma matéria que você. Sob a luz, está o que é feito de ficção. Sob a escuridão, está o que é feito de realidade. Lá o negativo. Aqui o positivo. O conceito que dá conta de tudo o que torna o negativo em negativo é a denegação, ou, de forma mais ampla, a teatralização. E Nove mentiras sobre a verdade é prato cheio para uma reflexão nesse sentido.

O trabalho cênico a que se assiste é excepcional. Diones Camargo, mais uma vez, oferece ao teatro a sua literatura cheia de imagens, de profundidade, de força, de vínculos. Já é lugar comum dizer que ele, também autor de Teresa e o aquário, Parque de diversões e Peru, NY, é o dramaturgo gaúcho mais importante da atualidade. Lara chega num espaço quase vazio com uma mochila do Superman e, aos poucos, o público está diante de uma personagem atriz, de uma mãe, de uma esposa, de uma menina e seu pai. Vanise Carneiro surpreende todos aqueles que sempre a viram em papeis coadjuvantes, protagonizando majestosamente de forma bela e competente uma história cheia de personagens, de nuances, de lugares, de tempos e, sobretudo, de potências significativas nenhum um pouco enrijecidas. Sozinha em cena, sua força de grande atriz que mostra ser empurra a barreira da denegação por cima do público. Cada vez mais, nosso olhar, assim, se prende aos gestos, a sua palavra, as suas expressões. Ficamos dentro do mundo fictício ou, pelo menos, aparentemente. A concepção tão bem amarrada atua no sentido de também tornar grandes atores os objetos cênicos: o roteiro, o lenço, o gravador, os fósforos, a camiseta. Diferente do que muita gente pensa, diretor serve para dirigir e não para aparecer. E dirigir é dosar, é controlar a expressão, é harmonizar mesmo quando a intenção harmônica é a desarmonia, o que não é o caso aqui. Nesse sentido, Gilson Vargas, que assina a direção, atinge resultados bastante positivos: nada está desafinado em Nove mentiras sobre a verdade.

O trabalho de som, as projeções e a iluminação desse espetáculo merecem atenção especial: é raro identificar tão bons usos como é fácil nesse caso. Nunca de forma redundante, mas sempre de forma bastante rica, tanto um como o outro operam no sentido de promover novas significações sem que o espectador se sinta convidado a se afastar do mote estético que propõe a obra. Em outras palavras, Nove mentiras sobre a verdade providencia espaço para refletirmos acerca de muitas ideias, mas não sobre todas; imaginarmos muitos lugares, mas não todos. E a opção por um finito criativo ao invés de um infinito capcioso tem dois resultados diretos: 1) sabemos que quem faz (Vargas, Carneiro e Camargo, e sua equipe) faz bem; 2) diante desse bem, nos sentimos à vontade (e seguros) para fruir, para criar, para interagir e para tornar nossa a história de quem nos conta.

Aplaudir a obra ao mesmo tempo em que aplaudimos o artista é coisa de teatro. Que Nove mentiras sobre a verdade seja, assim, muito aplaudido e por muito tempo.

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Ficha Técnica:


Concepção: Vanise Carneiro, Diones Camargo e Gilson Vargas
Texto: Diones Camargo
Direção: Gilson Vargas
Atuação: Vanise Carneiro
Iluminação: Fernando Ochôa
Som: Gabriela Bervian
Trilha Original: Gabriela Bervian e Gilson Vargas
Cenário e Figurino: Teatro Líquido
Produção: Vanise Carneiro, Gilson Vargas e Duda Cardoso
Apoios: Lucas Gonçalves
Realização: Teatro Líquido

18 de nov. de 2010

Morgue

Foto: Vilmar Carvalho

Não devia ter sido produzido!

Prezado Oly Jr.,

Te escrevo porque gostaria de elogiar a tua participação no meu blog (ler os comentários de Oly Jr. na crítica de A lição). Não vou fazer uma reconstitução deles, mas quero citar o teu último em que me dizes, entre outras coisas, que a regra é um ato subjetivo. De fato, esse é um ponto de vista bastante interessante, porque suscita a teoria, a análise, a reflexão. Enquanto eu dizia que a percepção da regra é de responsabilidade do espectador ou do leitor, você vê a regra como uma manifestação da percepção, conclusão essa que me faz pensar e muito. São esses os momentos que mais me estimulam a continuar escrevendo: aqueles em que, ao trocar discordâncias, refletimos, crescemos, compartilhamos.

Seu primeiro comentário trouxe à baila uma crítica minha de um espetáculo dirigido por Bob Bahlis em que fui bastante claro ao dizer "Não deve ser visto!". Lembro que essa frase gerou uma série de discussões e alguns constragimentos. Cheguei a me arrepender dela, embora não me sentisse pessoalmente sincero com o arrependimento já que, de fato, era isso que eu pensava. Segundo você, um crítico jamais deve fazer isso, de forma alguma deve exortar as pessoas a não irem assistir a um espetáculo, o que significaria, na sua opinião, tolhir a construção do olhar alheio. Com as suas palavras, você diz que, se um crítico diz "Não vá ver essa peça!", ele está impedindo a pessoa de ter uma opinião seja ela igual ou diferente da sua. Eu discordei de você uma vez que ratifico a compreensão que eu tenho, essa construída na experiência deste blog, de que as pessoas 1) jamais confiam cegamente na opinião do crítico a ponto de abandonar o valor que dão as suas próprias; e 2) querem saber, afinal de contas, se o crítico recomenda ou não determinado espetáculo.

Diante disso, mas prometendo dizer ainda mais, sou taxativo em dizer que o espetáculo Morgue, dirigido pelo mesmo Bob Bahlis, não deve ser visto. E vou além: não deveria ter sido produzido e, muito menos, ter encontrado lugar num espaço público como é a Sala Álvaro Moreyra.

E, para que não digam que isso é um mero comentário (como se comentário fosse algo menor), vou avançar justificando o que acima eu disse.

TEMA: o mais grave de todos os defeitos dessa produção

Bob Bahlis e seu grupo de atores (Luciana Domicciano, Beto Mônaco, Fabio Monteiro e Marcelo Naz) empreendem seus esforços no socialmente desnecessário ato de cobrir um terço de uma hora ofendendo as mulheres e outros dois terços da mesma hora ofendendo os homossexuais (e não só os homossexuais, mas os homossexuais passivos). Contrói três personagens homens que se encontram após a morte numa sala de IML. Os três compartilham as suas vidas, os seus preconceitos e os valores. A proposta, a princípio interessante, lembra a cena cortada de Sunset Boulevard (O crepúsculo dos deuses), que começava com o Jornalista narrando sua própria morte. Mas o valor da proposta pára quando o público inteligente percebe que as piadas iniciais sobre gays e mulheres não ficam na ilustração (não tenho nada contra piadas quando elas têm apenas o valor de piadas), mas se estendem ininterruptamente por toda a duração da peça. Por mais que a dramaturgia termine por tratar as hipocrisias dos três homens, os três com relacionamentos homossexuais no passado, ao longo de todo o tempo, o que se vê é o público rindo da condição sexual homoafetiva. Ou melhor, dois terços, porque também se ri das mulheres, a partir das piadas machistas que são contadas.

Pois bem, um personagem homossexual, em hipótese alguma, deve estar ao lado de um personagem drogado ou de um padre que nao conseguiu realizar o voto de castidade. Os três mortos de Bob Bahlis são: um viciado em cocaína que morreu bêbado num acidente de moto matando outra pessoa. Esse viciado tem um filho de onze anos que é gay e ele mesmo assume que, quando criança, foi passivo numa relação homossexual. O segundo personagem é um padre que teve várias relações sexuais, uma delas com um amigo. O terceiro morreu esfaqueado por um garoto de programa. Ou seja, ocupando um espaço artístico público está uma peça que:

1) Desconsidera o fato de que ser homossexual é uma condição afetiva e não uma opção. Ninguém escolhe ser homossexual, tampouco heterossexual. Se é e ponto. A pessoa nasce assim e tem, ao longo de sua vida, o desafio de enfrentar o duro preconceito da própria família e da sociedade que lhe impede de, por exemplo, pegar na mão do seu parceiro na rua, gesto que qualquer adolescente heterossexual faz com sua namoradinha aos 12 anos sem problema algum.

2) Diferente do vício à droga, que pode ser curado ou, ao menos, tratado medicamente, o ato homoafetivo não pode ser curado, além de não ser responsabilidade de quem o faz, que não tem culpa de sentir-se atraído sexualmente por uma pessoa do mesmo gênero. Diferente da hipocrisia católico-cristã, em que padres, no mundo inteiro, pregam uma coisa e fazem outra, os homossexuais sofrem a hipocrisia alheia e, cada vez menos, se sentem encorajados a, diferente dos padres, dar continuidade à hipocrisia. Lembrando que o voto de castidade é uma opção do seminarista, que pode abandonar o curso se quiser, coisa que homossexual não pode fazer.

3) Na plateia, além de gays, possa haver familiares de homossexuais que, na maioria dos casos, sofrem bastante ao tomar conhecimento da condição sexual do filho, certos de toda a dura vida que terão que enfrentar a partir de se assumirem. Esses pais verão, no palco, pseudo-artistas debochando de seus filhos diante de um público que ri de suas piadas e lhes aplaude em pé.

4) O Brasil vive um momento político atual em que uma universidade paulista publica um manifesto pelo direito de ser preconceituosa, em que um grupo de homossexuais é agredido brutalmente a socos, pontapés e uma lâmpada florescente em plena Avenida Paulista, em que Grupos Neo-nazistas se espalham e em que a lei que proíbe qualquer manisfestação homofóbica não ganha a atenção dos deputados e senadores da República (Se o dono de um restaurante quiser expulsar dois homens que ficam de mãos dadas durante sua refeição, atualmente, ele tem esse direito.), o que é um absurdo.


A pegunta é: como alguém pode produzir um espetáculo que, por mais que termine "punindo" os personagens, promova uma hora de risos e gargalhadas vergonhosas e envergonhantes de uma plateia preconceituosa?

ASPECTOS ESTÉTICO-ARTÍSTICOS: menos pior, mas não menos ruim.

Os atores mantém suas construções de ruins a péssimas. Não é um espetáculo de teatro profissional uma vez que dispensa algumas das bases fundamentais da comédia que se propõe a fazer:

a) problemas sérios de dicção;

b) antecipam as ações o tempo inteiro (param de falar para a "enfermeira" entrar, anunciando a sua entrada); dizem que se assustam primeiro e se assustam depois; ao dizer uma piada, olham para o público para ver se a plateia ri; não têm ritmo (elemento essencial da comédia); o discurso, na maoria das vezes, soa como "decorado";...

Pode-se falar bem da atriz (Luciana Domicciano), cuja construção, assim como a direção de luz, embora com resultados positivos, ficam apagados diante de tantos problemas conceituais e operatórios no todo da produção.

Assim, caro Oly Jr., Morgue não deve ser visto, nem mesmo de graça. Presta um desserviço às artes e um desserviço à sociedade. Você quer que eu diga que essa é minha opinião aos meus leitores? Em lugar disso, vou te contar uma coisa:

Após o espetáculo, fui jantar com um amigo numa pizzaria da Cidade Baixa. Na saída, coloquei minha mão direita sobre ombro esquerdo dele, bem na esquina da Sarmento Leite com a Lima e Silva, antes de pegar o taxi para ir embora. Dois meninos passaram por nós e gritaram: "Ihhhh!!! Estão de casalzinho!!" E saíram rindo bem alto.

Rindo como riram aqueles que assistiram à Morgue. Rindo um riso que não deve ter lugar num mundo mais humano.


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Ficha Técnica:
Elenco: Luciana Domiciano, Beto Mônaco, Fabio Monteiro e Marcelo Naz.
Figurinos: Rô Cortinhas.
Cenário: Carlos Wladimirsky
Iluminação: Marga Ferreira.
Trilha: Bruno Suman

14 de nov. de 2010

Teatro de Rua de Porto Alegre

Algumas reflexões

Em 2009, o espetáculo de teatro de rua O amargo santo da purificação, da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveis ganhou como Melhor Espetáculo de Teatro Adulto do ano. Foi, sem dúvida, um grande momento na história do Teatro de Rua de Porto Alegre, movimento esse que, pelo que eu sei, se põe a discutir assuntos pertinentes ao seu fazer artístico, que é próprio, em uma rede de debates que integra vários grupos do estado e também de outros lugares do país. Meu intuito aqui é, em primeiro lugar, saudar esses artistas tão importantes para a oxigenação das artes cênicas na cidade, sempre levando teatro ao público de forma direta e plena. Em segundo lugar, contribuir com algumas reflexões que tenho feito acerca de sua produção. Em terceiro lugar, relatar alguns momentos desagradáveis que tenho tido com o Teatro de Rua, usando do meu direito de cidadão de reclamar, de cobrar, de fazer a minha parte para que haja um avanço, depois do reconhecimento público do ano anterior.

Sou jurado do Troféu Açorianos de Teatro Adulto de 2010. Sou crítico de teatro e tenho feito análises de espetáculos teatrais diversos, textos esses publicados nesse blog e em outros espaços virtuais e impressos. E meu lugar teórico é o da Semiótica Teatral, aporte conceitual que perdeu, nessa semana que passou, um dos seus maiores nomes, a pesquisadora Anne Übersfeld. Baseado em seus estudos, e nos estudos de outros pesquisadores de mesma linhagem (Ryngaert, Fischer, Pavis,...), para mim, teatro é:

Produção artística em que A interpreta B diante de C.

Nessa máxima, a relação entre A e B (ator e personagem) pode ser bastante distante (teatro clássico) ou bastante próxima (performance), envolvendo aí tudo o que possa ser dito sobre narrativa ou fábula, temática, formato, gênero. A relação entre B e C (público) promove discussões acerca da recepção teatral, da descodificação, da importância social, cultural, ideológica do teatro. A relação entre A e C permite refletir sobre a produção teatral, o aspecto econômico e social, as leis, os incentivos, os apoios, as parcerias, assim como a produção dramatúrgica e o envolvimento de outras artes no teatro. É a partir desse contexto que eu dirijo agora algumas perguntas ao Teatro de Rua de Porto Alegre sobre:

RELAÇÃO COM O PÚBLICO:

a) O Teatro de Rua assim é chamado porque abdica propositalmente de um lugar consagrado e invade um espaço que não é seu, mas que é público, que pode ser uma rua, uma praça, um mercado, um largo, uma orla, uma fábrica... Diferente do Teatro Que Não É De Rua, o público não sai de casa especialmente para vê-lo, mas é surpreendido pelo Grupo que, esse sim, saiu de casa para presenteá-lo. O Teatro de Rua invade um espaço que não é seu e torna transeuntes em público, em plateia. E esse tornar pode durar toda a duração do espetáculo ou apenas alguns minutos. Ou ainda um mero olhar. Diante disso, por que os espetáculos de Teatro de Rua de Porto Alegre são divulgados na mídia?

b) Sendo divulgados, por que não cumprem com a divulgação, ou seja, realmente se apresentam no lugar e na hora marcada?

c) Em caso de instabilidade climática, por que não mobilizam alguém para avisar o público de que a agenda não será cumprida?

d) Em Porto Alegre, acontecem espetáculos de Teatro de Rua em locais como Brique da Redenção e Usina do Gasômetro. Esses dois espaços são imensos. Em que lugar do Brique da Redenção? Em frente à Santa Terezinha? Em frente do Monumento ao Expedicionário? Próximo da João Pessoa? Próximo da Academia? Em que lugar na Usina? Perto do Cisne Branco? Perto da Elis Regina? No estacionamento?

Em suma, se o único público a ser considerado é aquele que foi pego por acaso, por que divulgar chamando aquelas pessoas que se organizam especialmente para ver um espetáculo agendado? E, se planejam privilegiar esse outro tipo de público, por que o desrespeitá-lo, fazendo com que a pessoa fique vagando por lugares públicos em busca de uma peça que ninguém sabe se vai realmente ocorrer em algum lugar?

Hoje (14/11) passei 30 minutos atrás do espetáculo Ao divagar se vai longe... . Semana passada, a mesma coisa atrás de O homem banda. Há alguns meses, o mesmo atrás de A caravana da ilusão. No ano passado, atrás de A noiva quer casar. E sei de gente que passou o mesmo atrás de outros espetáculos além desses. Se o C, ou seja, o público, faz parte do cerne do teatro, por que não valorizá-lo, não respeitá-lo, não facilitar as coisas para que ele possa estar presente?

ENCENAÇÃO:

a) A rua não é, como já se disse, um lugar privilegiado para o teatro. E, quando falo rua, não estou falando espaços teatrais a seu aberto como a Concha Acústica do Complexo Multipalco ou demais lugares sem telhado, mas especificamente preparados para o acontecimento teatral, com a providência de cadeiras e isolamento (Solos Trágicos e IntenCidade são dois espetáculos que aconteceram a céu aberto sem serem considerados, por isso, espetáculos de Teatro de Rua.). Ou seja, o espectador tem, a sua disposição, o espetáculo artístico, mas, também, o espetáculo natural: o pôr do sol, os carros, o movimento, os seus próprios compromissos, a imensa quantidade de coisas que acontecem durante a peça e em volta dela. Assim, por que alguns grupos se esforçam tanto em produzir um espetáculo cuja dramaturgia é tão complicada? Algumas peças a que tenho assistido já seriam difíceis dentro de uma sala fechada onde a concentração tem um lugar privlegiado. Muito mais difícil é ainda na rua. Linguagem rebuscada, grande uso de metáforas, requisição de repertório cultural raro, enfim, vários exercícios de expulsão da atenção ao invés de convergência. Por que não ser coerente com a sua própria proposta, enquanto gênero, e não levar para a rua a beleza da simplicidade, de uma boa história bem contada, de uma reflexão que democratize ao acesso ao debate? Cito os espetáculos do Grupo Oigalê como excelente exemplo disso. Também O vendedor de palavras, do Grupo Mototóti, A noiva quer casar, do Grupo Sarcáustico, e Sacra Folia, da Cia Stravaganza.

b) Sendo a rua um lugar não próprio para teatro, por que algumas produções são tão longas? Ficar em pé por mais de uma hora é muito cansativo e só aumenta a dispersão. Nem todo mundo gosta de sentar no chão e nem todo mundo anda pela rua munido de uma confortável cadeira de praia ou uma canga. Além da longa duração de alguns espetáculos, há um recurso interessante que é o de ficar mudando o espaço cênico, carregando o público consigo ao longo de um determinado parque ou rua. É rica a utilização de diferentes espaços para diferentes cenas, mas se a peça tem 40min. E não adianta em nada ficar discutindo sobre a quantidade de pessoas que conseguem prender sua atenção por tempos longos diante da era da televisão e da internet banda larga. Essa é a realidade que temos. Convém à produção, trabalhar com ela ao invés de ficar brigando com ela.

c) Para quantas pessoas o seu grupo faz Teatro de Rua? Para pequenos grupos ou para pequenas multidões? Ou grandes? Manter toda uma encenação para um grande número de pessoas no mesmo nível de lugar cênico só prejudica a visibilidade. Quem está atrás não vai enxergar nem ouvir o que está sendo dito. Menos ainda compreender... E o Teatro de Rua de Porto Alegre já é bastante adulto e já usou e abusou de várias técnicas que lhe são próprias para vencer esses desafios. Os novos grupos precisam estar atentos a esses avanços outrora obtidos e, às vezes, infelizmente esquecidos. Vale a pena ler a história da Terreira da Tribo, contada por Sandra Alencar, e o livro recentemente publicado por Jessé Oliveira sobre a história do Teatro de Rua em Porto Alegre.

GÊNERO:

a) Teatro de Rua é um gênero teatral, porque se pauta sobre questões diferentes de outros gêneros. Tem uma estrutura própria, necessidades próprias, linguagem própria. É um gênero disponível para hibridismos tanto quanto todos os outros, mas tem as suas idiossincrasias. Assim, por que não buscar algum reconhecimento que seja seu? Por que não haver um Troféu Açorianos de Teatro de Rua (que não precisa ser anual, mas poderia ser trienal ou bienal), já que, para avaliá-lo, é necessário todo um suporte teórico que é apenas na base puramente teatral?

b) Na rua, acontecem vários espetáculos artísticos. Mas Teatro de Rua é teatro e não é circo, não é espetáculo de música, nem show acrobático. O homem banda está inscrito no Troféu Açorianos 2010. É um equívoco. Não é um espetáculo teatral, embora haja uma certa teatralidade na sua produção. É um espetáculo de música e não deveria ter sido aceito pela Coordenação de Artes Cênicas, mas encaminhado ao Troféu Açorianos de Música. Nele, o teatro tem tanto lugar quanto, nos outros espetáculos, tem a música. O mesmo se pode dizer do circo e das artes acrobáticas. É espetáculo de teatro com acrobacias ou um show acrobático com um quê de teatral?



RELAÇÃO COM A SOCIEDADE


a)  O Movimento de Teatro de Rua de Porto Alegre merece ter garantido o seu direito de apresentação e esse com respeito. O que a sociedade, e aqui me dirijo para a Coordenação de Artes Cênicas de Porto Alegre e, por assim dizer, a Secretaria Municipal e Estadual de Cultura, faz por isso? Até quando o público da cidade vai ter que aplaudir os atores desse gênero teatral após passar vários minutos se esforçando para valorizar esses artistas em meio a shows grandiosos no Palco da Redenção (que é qualquer coisa menos um parque aos domingos) ou em meio a Homens do Gato, Índios Cantores, Vendedores Ambulantes com suas caixas de som e microfones? A liberdade de todos se expressarem precisa conviver com o direito de todos se expressarem em igual condições.

 b) O que a Coordenação de Artes Cênicas de Porto Alegre fez em relação ao Grupo Levanta Favela, levado à delegacia após ter seu espetáculo interrompido?

Em 2010, quatro espetáculos de Teatro de Rua concorrem ao troféu de Melhor Espetáculo do Ano. Só por isso a discussão já é pertinente. Fica aqui o registro de um movimento que, já orgulhosamente crescido, merece mais respeito da sociedade e de si próprio.

10 de nov. de 2010

A lição


Foto: Júlio Appel

Equívocos

Existe uma grande diferença entre uma produção equivocada e uma produção com equívocos. A primeira consiste naquela que agride o público e, consequentemente, a classe teatral/artística que do público vive. E a agressão pode vir pelo descaso ou pela má intenção. Descaso quando não houve pesquisa, estudo, aprofundamento. Má intenção quando o interesse real não é estético/artístico ou ideológico, mas outro qualquer. A lição, novo espetáculo da Cia. De Teatro Ao Quadrado é um exemplo da segunda. Há pesquisa e aprofundamento e o interesse é notoriamente artístico. Mas há muitos equívocos, ou, talvez, um só que seja responsável por todos os outros. Teatro do Absurdo e Hitchcock são opostos que não ocupam o mesmo lugar no espaço sem que ambos saiam prejudicados. Nisso consiste o grande equívoco aqui em questão.

Ao enfatizar o fato de que não há jeito correto de tornar teatro a literatura dramática de Eugène Ionesco (Romênia, 1909-1994), a atenção recai sobre o quanto A lição perdeu na sua aproximação com o Mestre do Suspense, Alfred Hitchcock (Inglaterra, 1899-1980).

Escrita em 1951, a história consiste no encontro entre uma aluna e um professor numa situação absurda. A Aluna é muito mais ágil, esperta e opinativa que o Professor,completamente frágil e submisso. A questão se torna ainda mais complexa quando, querendo participar de uma seleção para doutorado, a menina não consegue fazer operações simples como quatro menos três. O próprio exercício matemático, na lição, já sustenta uma ordem narrativa oposta, e não só alternativa, ao mundo além da ficcção. E essa ordem não permanece ao longo de sua duração, mas se modifica algumas vezes em outras direções. A Aluna se torna submissa e o Professor se torna um ditador. Ou, diante de sua Criada, o Professor, que acabou por assassinar sua Aluna a facadas, tem um comportamento infantilizado. Essas para citar apenas duas entre tantas alterações estruturais nas relações dispostas.

A história recomeça com a chegada de mais uma aluna, depois que o corpo da anterior é retirado. É o próprio Ionesco quem esclarece num vídeo, publicado no blog do grupo, que o aburdo não está dentro da narrativa, mas no olhar da recepção. Para a Criada, a morte de mais uma aluna é muito pouco além do normal, uma vez que 39 corpos estão a espera de sepultamento junto desta 40ª aluna que acabara de morrer. A Aluna, por sua vez, está convicta de poder passar na seleção não sabendo fazer corretamente operações matemáticas simples, embora saiba de coração todos os resultados possíveis, incluindo aqueles que envolvem quintilhões. O Professor, ao lembrar de um amigo seu que troca a letra F pela letra F, também está cônscio do engano cometido por ele, embora quem assista à história não veja nenhuma diferença entre F e F. A questão fundamental, então, está no fato de cogitar a possibilidade de uma mirada exterior à realidade que vivemos. Será que, estivéssemos fora desta vida, não acharíamos absurda toda a nossa realidade? Um homem louco matar milhões de pessoas, gente morrer de fome enquanto outros oferecem rações importadas aos seus cães, haver cirurgia de transplante total de rosto e não haver ainda cura para a AIDS e vacina contra o câncer... Nesse sentido, o Teatro do Absurdo continua tendo o que dizer mesmo sessenta anos após o lançamento de A cantora careca, texto do mesmo Ionesco.

Nos anos cinqüenta, Hitchcock já era um diretor de cinema bastante premiado. Seus primeiros filmes aconteceram nos anos 20 e os últimos na década de 70. Ionesco e ele, assim, são contemporâneos, mas artisticamente bastante divergentes. Não há, nos filmes desse cineasta, tapas, gritos e esfaqueamentos. O próprio sangue é raro. O pudor do diretor é alto e se converte no seu maior talento. Por isso, ele não é o Mestre do Terror, mas o Mestre do Suspense. E, nisso, está o ponto em que mais ele se distancia de Ionesco. Para Hitchcock, é fundamental que a história esteja firmemente amarrada para que, preso, o espectador fique submerso aos mandos do narrador até rastejar-lhe aos seus pés em busca de um fim que faça sentido. Quem assiste aos filmes de Suspense precisa saber como a história vai terminar, como o mistério vai se resolver. Porque é para essa resolução, para esse final aparecer, que tudo o que é posto na tela existe. Nem sempre, o final explica o filme, mas o final precisa ser satisfatório. O teatro de Ionesco, nem de longe, se fundamenta nisso. Ao contrário: a satisfação do público é do que ele foge.

O realismo para Hitchcock é condição necessária para seus filmes uma vez que a história precisa não deixar dúvidas. Ionesco dispensa o realismo: o Professor não necessariamente ensina, mas mata. A Aluna não necessariamente aprende, mas sabe. A Criada não é necessariamente uma serviçal. O punhal talvez não exista. O quadro negro e o giz não precisam aparecer, mas podem ser sugeridos. E não há história para entender: não sabemos quem é essa Aluna, quem é esse Professor. Se 39 alunas foram mortas anteriormente, como ainda ele não foi preso? E, havendo 39 corpos esperando por seus enterros, eles não estariam fétidos? Para um espectador de Hitchcock, isso é uma loucura, um absurdo.

A produção dirigida por Margarida Leoni Peixoto força uma relação entre A lição e Psicose. A personagem da Criada saiu de cena, dando lugar à Mãe do Professor, que vem a ser ele mesmo com direito à diálogos fora da cena em que Marcelo Adams muda de voz para cada persagem. O Professor e sua Mãe se tornam um só personagem na loucura final do Mestre que esfaqueia a Aluna após tê-la torturado brutalmente. O professor se torna, aos olhos do espetador, dessa forma, um louco, um doente. Os diálogos iniciais fazem, então, sentido no final quando entendemos que há um distúrbio mental em questão que justifica o aceite a uma aluna incapacitada e, também, a tortura, os gritos, os tapas, os chutes, as ofensas que vem na sequência. E, quando tudo faz sentido, a produção que almeja homenagear o Teatro do Absurdo acaba por ofendê-lo ou, ao menos, dele se distancia. O mundo não faz sentido para quem o vê de fora no teatro de Ionesco.

Luisa Herter está numa ótima interpretação como a Aluna. Opinativa, determinante, feliz, ela domina convenientemente o início do espetáculo. Sua ação submerge, também adequadamente, quando o Professor começa a crescer. Marcelo Adams, no entanto, embora muito bem no início, não sustenta as qualidades até o fim. É, no fim, que a concepção de Peixoto não valoriza nem Ionesco, nem Hitchcook, isto concretizado nas ações de Adams. O ator grita estridentemente num teatro pequeno (Teatro de Arena) a ponto de nos fazer ter vontades de fechar os ouvidos de tão irritante que é. Cria-se uma sensação de sufocamento, que também não faz parte, de forma contribuitiva, nem para o Absurdo, nem para o Suspense. Também incomoda bastante o espancamento da Aluna, deixando o espectador ter dúvidas se o que vê não faz parte de um espetáculo mais sadomasoquista que artístico. Além disso, Psicose é um filme tão simbólico que a relação entre a Mãe e o Filho apontam para o desfecho de um jeito claro demais de forma que, desde o início, já sabemos o que acontecerá no fim. O mal disso está no fato de que, para o Absurdo, não há uma relação de causa e conseqüência que valorize o início como uma preparação para o fim. Nesse gênero, o fim, o meio e o início são tão importantes que poderíamos inverter a lógica sem desacréscimo. Na produção da Cia. De Teatro Ao Quadrado, isto é impossível, uma vez que o Professor construído por Adams está assustado diante do crime, enquanto que o sugerido por Ionesco não sente susto mais que outras reações. No texto original, há, até mesmo, o alerta do Mestre de que não se gaste muito no enterro da aluna recém morta, porque ela não pagou a lição, o que mostra que susto, pavor, contentamento, frieza, e outras, são reações sem níveis de importância e que se alternam. Em Ionesco, nesse sentido, sempre que um personagem se define, imediatamente depois, ele se indefine. O Teatro do Absurdo é, afinal, uma reação oposta ao Estruturalismo e, por sua vez, ao Formalismo. Daí que, embora com figurinos bem cuidados, um cenário bastante rico, uma iluminação cheia de propostas interessantes, a concepção que aproxima essa produção do suspense faz todos os acertos naufragarem nesse grande equívoco. O que é uma pena.



*

Ficha técnica:
Texto: EUGÈNE IONESCO
Direção: MARGARIDA LEONI PEIXOTO
Elenco: MARCELO ADAMS e LUÍSA HERTER
Cenografia: ZOÉ DEGANI
Figurinos: RÔ CORTINHAS
Iluminação: FERNANDO OCHÔA
Trilha sonora: MOYSÉS LOPES e OLY JR.
Fotografias: JÚLIO APPEL
Projeto gráfico: DÍDI JUCÁ
Divulgação: BEBÊ BAUMGARTEN
Bilheteria: RENATA SAVARIS
Produção e realização: CIA. DE TEATRO AO QUADRADO

7 de nov. de 2010

O animal agonizante

Foto: Júlio Appel

Para Roth

David Kepesh aparece pela terceira vez em O animal agonizante, romance publicado em 2001, pelo escritor norte americano vivo mais importante, Philiph Roth (1933). As outras duas vezes foram nos romances The Breast (1972) e The professor of desire (1977). Em Porto Alegre, ele aparece na pele de Luiz Paulo Vasconcellos, grande professor e coordenador do Departamento de Artes Dramáticas da UFRGS, além de um dos melhores e mais importantes diretores da história do nosso estado. O espetáculo homônimo é uma versão livremente inspirada no romance dirigida por Luciano Alabarse, nacionalmente conhecido como diretor gaúcho e internacionalmente lembrado como o idealizador e coordenador do Porto Alegre em Cena. O texto é um monólogo em que o personagem, um professor universitário, expõe seus sentimentos sobre uma aluna. Ele fala consigo mesmo, fala com o público, fala sozinho, mas, sobretudo, constrói imagens. Consuela Catillo é uma filha de cubanos com quem o professor teve um caso, findas as aulas. A conquista, o relacionamento, o sexo, o ciúme, o fim, o desfecho são situações dramáticas descritas pelas mãos hábeis e já muitas vezes premiadas de Roth. Alabarse/Vasconcellos sabiam que estavam diante de algo bastante desafiador. Se o melhor de Roth é o modo como ele descreve, como atualizar isso usando os signos teatrais, esses tão diferentes da literatura?

A única coisa realmente importante na hora de atualizar algo é saber o como isso será feito. Dentre as muitas, mas finitas, possibilidades do artista, cada escolha é sempre de total responsabilidade dele. E, sendo Roth conhecido pela forma como ele trata sobre sexo, sobre desejo, sobre excitação e suas circunstâncias diante da diferença de idades, da doença, da morte, das convenções sociais, qualquer gesto no sentido de diminuir a importância disso levaria a obra, que também já foi um filme (Elegy, 2008) para um lugar que não é digno dela. Felizmente, não é isso que acontece. Em cena, o que a plateia vê é muito mais retórica do que interpretação: os signos teatrais foram trabalhados bastante modestamente, timidamente, mas não de forma pobre. Há pouco espaço para o teatro em O animal agonizante. Mas o que há foi plenamente utilizado.

As palavras de Roth são, como já se disse, as coisas mais importantes da obra. Poucos atores na nossa cidade sabem valorizar as palavras tão bem como Luiz Paulo Vasconcellos. (Marcelo Adams, José Baldissera, Mauro Soares são outros.) Quando bem dita, a fala se torna um ato. Há nela, assim, duas potencialidades cênicas importantes: o ato de dizer e o ato que é dito. Vasconcellos diz as palavras com uma dicção perfeita e uma tonalidade que, sem importar o volume, o teatro inteiro compreende cada sílaba do texto sem faltar uma só. Além disso, bem dirigido, seu texto tem corpo, tem cor, tem intensidade.

A interpretação de Kepesh se desenha sem formas fixas. O personagem é livre e se mostra de várias maneiras. Diante de uma cultura invejável, o professor fictício é, no fundo, um animal selvagem vítima de seus impulsos. Vasconcellos, embora ainda não tenha conseguido se desvencilhar de seu sotaque carioca e tenha explorado pouco ou nada a sua tonalidade a fim de encontrar a voz de Kepesh, se utiliza do ritmo, da métrica para construir as imagens que belamente constrói, mantendo o seu jeito natural de falar tantas vezes ouvido nos palcos gaúchos, tanto na boca de personagens como nas palestras e aulas que dá. Às vezes, rápido, às vezes, devagar, dançando ou completamente preso em si, o ator se utiliza desses instrumentos vocais para nos fazer ver a grande quantidade de nuances que há em cada passagem da história que, sozinho, conta. A produção acerta por ser humilde, por ser discreta.

Uma poltrona, um piano, uma mesa de trabalho, uma mesa de centro, uma cadeira e um telefone. Os movimentos cênicos acontecem nesse espaço nobre, muitas vezes, tido como a caverna onde esse animal se esconde. É quando o espectador vê o ator alternar-se pelos ambientes, cavando buracos e descansando. Pouco histriônico, Vasconcellos sabiamente se coloca abaixo do texto, preocupando-se em oferecer muito mais de Roth do que Alabarse, o que é o maior ganho dessa produção.

A mesma modéstia tem Luciana Éboli, atriz que interpreta Consuela. Sua figura vem menos para aparecer e mais para aliviar o espectador da tarefa de tanto imaginar. É fundamental que Consuela seja materialmente visível para que o espectador possa acompanhar a história com mais liberdade. Le grand nu, de Mondigliani, é a inspiração de Roth, e o jeito Kebeshe de ver Castillo. E atriz, em cena, ocupa eficientemente o seu lugar.

Na noite de estreia, notam-se dois desacertos: a interpretação de Thales de Oliveira e a trilha sonora, pois ambos quebram o paradigma e avançam o limite que dá sucesso aos demais elementos arregimentados. Oliveira, ao interpretar o filho, numa situação difícil, de desabafo contra o próprio pai, grita, esperneia, polui. O comedimento que sobra até então em tudo, nessa construção falta, o que prejudica a cena como um todo diante de nós que olhamos mais para os seus movimentos do que prestamos a atenção no texto que o jovem ator diz.

No entanto, é a trilha sonora, como já aconteceu em Édipo Rei, o maior equívoco de Alabarse. Lascia Ch’io Pianga, da ópera Rinaldo (1711), de Handel (1685-1759), e Aquarius, do musical Hair (1967), por serem bastante simbólicas, aliviam as tensões do texto, duelando com ele que não quer ser pasteurizado.

A lição de sucesso dessa produção vem do fato notório de saber curvar-se. Artistas menos experientes e mais egocêntricos teriam esforço em mostrar suas marcas, mostrar suas vozes, seus pesos e o que sabem/aprenderam no palco de O animal agonizante. Aqui o resultado mostra que o processo foi privelegiar bem mais o fazer teatral dentro de seus limites desafiadores, do que privilegiar-se.Talvez por isso nos sentimos tão a vontade em sorrir e em se emocionar com essa história tão bem contada.

*

Ficha técnica

Elenco:
Luiz Paulo Vasconcellos………David Kepesh
Luciana Éboli…………………………Consuela Castillo
Thales de Oliveira…………………Kenny Kepesh

Adaptação e cenografia: Luciano Alabarse
Cortes e ajustes: Luiz Paulo Vasconcellos
Iluminação: Cláudia de Bem
Trilha sonora: Moysés Lopes
Seleção trilha: Luciano Alabarse
Figurinos: Equipe
Design gráfico: Dídi Jucá e Fernando Zugno
Fotos: Júlio Appel
Operação de luz: Cláudia de Bem e João Dadico
Operação de som: Moysés Lopes
Produção executiva: Fernando Zugno e Miguel Arcanjo Coronel
Coordenação de produção: Luciano Alabarse

O dia desmanchado



 Reação necessária

Vsevolod Meyerhold (1874-1940) reage ao teatro realista de Danchenko e de Stanislavsky explorando no teatro as influências do simbolismo, do cubismo, do impressionismo e, depois, do expressionismo. Com isso, o jovem expoente das artes russas estabelece uma nova relação com o público teatral: todos são criadores, não apenas o elenco de atores. Elimina o cenário, dá maior importância para a luz e, pelo que é mais conhecido, investe mais na forma do que no conteúdo, estetizando o teatro russo daquele início de século XX. A técnica da biomecânica, cujo repertório ainda hoje é estudado (e deve ser valorizado), consiste no exagero dos gestos, no aumento absoluto da tensão em cada movimento, na exploração do corpo do ator como uma peça a mais na máquina teatral. O corpo do ator não está a serviço do texto, mas o constrói, o expressa tanto quanto a voz do ator, podendo ser essa, suprimida da encenação sem que haja perda informacional. Evoluindo da Commedia Dell Arte e do Teatro Oriental, da pantomina e do grotesco, o ator, nesse contexto, é a materialização da força que expulsa a idealização e não representa a realidade, mas a reflete.

O Grupo Teatro Torto, dirigido por Tatiana Cardoso, traz ao palco de Porto Alegre o, antes de tudo, lindo espetáculo “O dia desmanchado”, monólogo cênico interpretado por Marcelo Bulgarelli, aluno do mestre russo Gennardi Bogdanov, discípulo em segunda geração de Meyerhold. A peça consiste num dia de um homem normal num plano não convencional. O seu dia não tem um número de horas que se repete, mas um número que se desmancha, fazendo com que haja mais amanheceres do que anoiteceres, com que situações se repitam ou não terminem, permitindo que sonhos e realidades se misturem e nunca se definam. O tempo, assim como o espaço, é fluido. O que vemos no palco é como um reflexo de espelho veneziano, torto, distorcido, com configurações próprias, sem compromisso total com o objeto refletido.

O dia desmanchado é uma alternativa ao que reflete. Usa algumas cores, algumas formas, estabelece uma certa reflexão, mas investe em suas próprias realidades. Bulgarelli está nada menos que excelente, nesse espetáculo que tem uma direção de arte tocante. As cores e as texturas dispersas no cenários e nos figurinos fazem lembrar um não-sei-o-quê de imaginário, de algo que não é desse mundo, mas conversa com ele, está nele, é imanente a ele. O espectador tem sua sensibilidade para o tom, para o movimento, para o ritmo fisgada: o espetáculo força quem o vê a dar algo de si, e esse algo não é racional. A trilha sonora de Jackson Zambelli e de Sérgio Olivé remetem a uma melancolia de um tempo não vivido, mas sonhado. E sonho e idealização não são a mesma coisa: em O dia desmanchado nem tudo são flores.

O personagem é construído por Bulgarelli em todas as suas partes: cada músculo foi muito bem treinado e cada movimento é domado pelo seu (excelente) ator, que conhece a si próprio a ponto de não deixar um só milímetro ou grama escapar-lhe do projeto cênico. O personagem corre, dorme, pula e caminha dando ao público ver cada mínimo gesto desses caminhos. O conteúdo se esvanece, interessa a quem vê a expressão que, de tão bem articulada, provoca uma quebra na realidade, essa, então, deixada do lado de fora do teatro, sem que haja a aristotélica catarse. A fruição é plena no sentido de que a peça hipnotiza a plateia.

A cena de aviões jogados ao anoitecer emociona. Outros momentos fazem rir. A reação espontânea, vinda da proposta imagética também construída pela assistência, é tudo o que se quer. Tatiana Cardoso, também diretora de As bufa, mais uma vez, é magnífica ao presentear a cidade com tão belo trabalho. É preciso reagir ao mundo que encontramos lá fora, depois de aplaudir fortemente a produção, e sair para o dia normal que conhecemos e que também se desmancha sem que percebemos (sempre).

*

Ficha técnica:

Direção e Dramaturgia de ações: Tatiana Cardoso
Atuação: Marcelo Bulgarelli
Assist. Direção e contrarregragem: Aline Marques
Trilha sonora original: Jackson Zambelli e Sérgio Olivé
Bandoneón: Mano Monteiro
Figurino: Teatro Torto
Cenário e Objetos: Maíra Coelho
Iluminação: João Marcos Dadico
Formação musical: Simone Rasslan
Arte visual: Ernani Chaves e Viviane Martins
Rádio: Heitor Schmidt
Produção Executiva: Simone De Dordi

Produção: Marcelo Bulgarelli e Simone De Dordi
Realização: Teatro Torto

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