25 de fev. de 2009

Porto Verão Alegre


O Festival e o Evento


A 10ª edição do Porto Verão Alegre arregimentou um roll de 57 espetáculos de teatro (somando as peças do Nova Cena) além de sessões de cinema, encontros com escritores, atividades na Fundação Iberê Carmargo e shows musicais. Em termos de programação, a veiculação de todos esses acontecimentos artístico-culturais amarrados a uma mesma e conhecida marca despertou, nessa estação, uma intensa participação do público gaúcho que conhece a idéia e o propósito do evento. Assisti à 32 peças de teatro e sou testemunha da alegria que é ver platéias cheias, filas em bilheterias e comentários a respeito da programação. Em termos de evento, fica difícil imaginar no que pode crescer o 11º Porto Verão Alegre que se espera para 2010. Enquanto Festival de Teatro, no entanto, acho que algo pode ser feito pela produtora Bhik Produções Artísticas e Culturais.*

Abre aspas: “A mulher tem uma discussão com o homem (seja marido, namorado, noivo...). Chega em casa, abre uma gaveta, retira alguns bombons e enche a boca de chocolate.” Fecha aspas.

A seqüência acima, para exemplificar, foi vista por mim em, exatamente CINCO espetáculos. Grupos diferentes, diretores diferentes, atores diferentes. A mesma ação.

Enquanto evento, podemos ver esse quadro como um comportamento cristalizado expresso através da linguagem teatral pelos grupos gaúchos. Enquanto festival, podemos discutir o quanto os diferentes grupos estão (ou não) trabalhando em cima tanto da linguagem cênica como de outras (audiovisual, plástica, musical, sonora, performática, literária, alegórica, etc...) como desafio na construção de seus projetos. Falta ao Porto Verão Alegre, projeto privado sobre o qual só podemos sugerir atitudes, um espaço para a discussão do que é feito nos palcos daqui pelos artistas também daqui.

Não se trata de barrar a entrada desse ou daquele projeto, embora a eleição de uma curadoria não seria uma idéia a ser, de todo, descartada. Tampouco, a criação de um “Ponto de Encontro” que, na prática, funcionou melhor no passado do que no presente no Porto Alegre em Cena. Mas, mais que isso: viabilizar as bases para a troca de idéias entre os grupos irmãos, primos ou inimigos numa mesma cidade. Se o evento é bom para o público, o festival seria ótimo igualmente para os artistas.

Enquanto alguém que se propõe a analisar as peças, não me cabe sugerir coisas e, muito menos, me colocar no lugar do diretor ou do ator. Meu lugar é na platéia e desse eu não abro mão. Infelizmente, minha mente, disposta a agradecer a gentileza da Coordenação do Projeto em me possibilitar a credencial de imprensa, faz agora com que eu quebre o protocolo e sugira uma ação.

Na próxima edição, que tal seria se cada grupo de atores e diretores** recebesse uma credencial de participante do evento (11º PVA)? Nas bilheterias dos espetáculos, que serão muitos, a produção, após a entrada do público pagante, permitiria, por que não?, que os lugares que sobraram sejam utilizados pelos credenciados colegas presentes. Sem o constrangimento da cortesia, mas com o benefício da possibilidade de abertura de uma discussão dos trabalhos por seus pares, a platéia ficaria cheia se por uma desventura já não estiver pelo público descredenciado.

Foram muito poucos os atores que vi nas platéias que dividi. Sobre este blog, chovem comentários do tipo: “Gostei (ou não) do que escreveste sobre tal peça. Embora eu não tenha visto o trabalho, acho que...”. É incrível, e nada agradável, a idéia de que o valor da entrada seja muito alto para quem a cobra, o que retrata uma realidade onde professores de literatura não possam comprar livros, pintores não tenham quadros e cineastas não vejam filmes.

Ao sugerir isso, tenho certeza de que o lucro não iria diminuir na nova edição uma vez que, agora, não aumentou em função da ausência dos atores nas platéias. Ao contrário, penso que iria aumentar a qualidade dos trabalhos e o próprio lucro das bilheterias em outras épocas do ano, quando as produções poderiam deixar para o verão a existência dos convites à classe.

Cada temporada do PVA dura três dias. Sobram outros três dias na semana (segundas-feiras não há espetáculo) em que colegas poderiam assistir colegas: comentar, acrescentar, trocar informações, aprender, crescer. Credenciais aos atores e diretores, que lhes conceda o direito de ver o trabalho ao lado, seria um pequeníssimo gesto de uma produtora que, há dez anos, faz crescer o público e oferece oportunidades de ganhos financeiros na baixa estação que é o verão porto-alegrense no sentido de aumentar a qualidade de toda uma produção vasta como, felizmente, é a que ouso chamar de nossa.

Obrigado pelo privilégio e parabéns! Sucesso na edição de 2010!





* Sem dar início a, permanecer em ou concluir nenhuma discussão etimológica ou semântica sobre os termos.
** Excluo os técnicos porque, pelo que me consta, o cachê desses são pagos indiferente do resultado da bilheteria.

21 de fev. de 2009

Entrevista com espíritos


“Ela diz que não pode falar agora, mas que, no futuro, todos saberemos.”

(Entrevista com Espíritos, Luis Carlos Pretto, fala do personagem Bruno)


Talvez tenha sido eu quem tenha entendido errado a proposta. Mas penso em teatro assim: eu chego na sala e me sento. Começo a olhar o que tenho para ser olhado: um folder, um cartaz, um cenário a minha espera... Escuto a música de fundo, olho para as pessoas... Isso tudo vai entrando na minha mente e me dizendo, mais ou menos, sobre o que é a peça, o que está por vir. Procuro me afastar do antes: da sinopse que procuro não ler, de outras peças do mesmo grupo, de opiniões que a mim chegaram. Me coloco na posição de quem nunca veio ao teatro, o público mais raso que eu possa ter no meu blog. Assim, consigo não fazer comparações entre trabalhos, não levar opiniões sobre uma produção à outra, e julgar utilizando como referencial aquilo que consigo visualizar enquanto proposta inicial. Contemplo o objetivo e vejo como ele foi alçando, independente do fato de que concordar com ele ou não, gostar dele ou não. Depois de ter assistido à “Entrevista com espíritos”, cheguei à conclusão de que ou a proposta foi lida por mim equivocadamente, ou o anúncio dela é que é enganoso.

A peça estava em cartaz na Cia. De Arte dentro da programação do Porto Verão Alegre. Na página do dia, a produção da Cia. Artiurbana, dividia espaço com a Cia. Teatro Novo e com o grupo dirigido por Bob Bahlis, para falar somente nas peças que vi. Acho que a Cia. Halarde também tinha tido uma apresentação extra de “Dona Gorda”. Esses três grupos são grupos de teatro desvinculados de qualquer associação política, religiosa, ecológica ou sei-la-o-quê. Fazem teatro para ganhar a vida e única e exclusivamente pela arte. A gente vai ver o trabalho deles para, antes de tudo, se entreter. De sobra, crescemos em algum ponto ou outro. O festival inteiro, de um modo geral, é composto de grupos participantes com os mesmos objetivos: entreter. Eu, de fato, nunca vi Presépio Vivo participar de festival de teatro, embora ache que uma produção de extrema qualidade como é o caso da produção “Paixão de Cristo”, realizada pela Cia de Atores Independentes de Gravataí, e que se apresenta somente na época da Páscoa, e, todo mundo sabe, para um público que celebra o mistério da paixão e morte de NSJC, poderia concorrer com muitos grupos por aí em termos exclusivos de qualidade estética. Dessa forma, antes de qualquer coisa, entrei para ver teatro, não para ser catequizado por essa ou aquela corrente religiosa.

Eu sabia que a temática era espírita. Ok! Eu vi as novelas “A Viagem” e “O Profeta” na Globo, uma emissora sem ligações explícitas com nenhuma religião. Gostei das narrativas. Uma boa história me comove pelo fato de ser bem contada e, nascido e criado dentro do catolicismo, não me lembro de ter me sentido ofendido aos 14 e 26 anos quando essas novelas passaram na TV. Não vou virar indiano por ver Caminho das Índias, assim como não virei cigano vendo Explode Coração ou muçulmano como expectador do O Clone. Então, me senti confortável em ir ver a produção dirigida por Luis Carlos Pretto e ver outras pessoas pagar até vinte reais por isso.

Mas, sinceramente, se eu não acreditar que eu é quem estava errado, que antes de ser teatro, o trabalho é uma palestra espírita e eu é quem não tinha entendido isso, não consigo tirar absolutamente nada de positivo em uma análise superficial como um espaço como esse me proporciona.

“ - Irmão Rodrigo, não é uma peça espírita! É uma sessão espírita com teatro! Entendeu?”

Suspiro. De novo. Mais um. Conto a dez. Acho que entendi.

Agora consigo desculpar uma trilha toda cheia de recortes de trilhas de filmes e interpretações que beiram ao patético: uma secretaria que tremilica na ânsia por sustentar sua construção (se é que há uma) em caras e bocas, um psicólogo que fala um português corretíssimo a fim de nos fazer ver alguém com curso superior, e um médium tachado de louco, cheio de gritos e excessos.

Agora, próximo da paz, consigo até ver uma curva dramática quando se descobre que o louco não é louco e que a secretária já morreu. Quando vejo uma boa intenção nos figurinos e quando lembro de ter achado bem interessante a cena de clown.

Deu.

Me voltam os tiros, o ritmo lento do início, as frases de efeito. Não! Não consigo desculpar a ausência de senso, a falta de noção de que ou se priva pela harmonia estética ou se funda essa na total desarmonia. E que estudo de arte existe desde Aristóteles e que não é possível que um grupo se inscreva num roll de 51 espetáculos sem levar em consideração tantos e tantos séculos de história que faça com que a pessoa diga: isso não combina com aquilo!

Não me interessa, numa avaliação estética, as lindas e sábias teses espíritas sobre esse mundo e o outro. Num primeiro momento, quero me divertir e ver como tal peça foi feita. É do que ela é feita que vem o que ela me diz e nisso está a grande diferença das artes em relação à literatura. Se tirarmos o dito da literatura, teremos um papel em branco (com exceção da poesia concreta). No teatro, poderemos ter mil ditos e até repetições dele (Ver Beckett) que é a situação que importa e diz mais do que o dito.

No futuro, talvez saberei perdoar. Agora não.

Que venham também para o Porto Verão Alegre 2010, o teatro empresa, os melodramas da Record (“Pergunte e responderemos”) e os presépios vivos ensaiados pelas catequistas cheias de boas intenções do mundo afora.

19 de fev. de 2009

Dez (quase) amores


O lado bom do Momento


Ontem cheguei em casa e li, com calma, um poema que já conhecia: “A pessoa errada”, de Luís Fernando Verissimo. E fiquei pensando em todas as pessoas que já atravessaram a minha vida. Não consegui lembrar de uma única que tinha sido, ou que seja, tal como consta nos meus sonhos. Não estou falando só de relacionamento amoroso, mas de amizade e, principalmente, familiar. A vida, ao que me parece, está muito longe de ser realidade e muito próxima de ser sydfieldiana, com todo a alienação que a teoria dele prevê. E vai dizer que não é? Pontos de mudança, curvas e mais curvas dramáticas, deus ex machina e busca total por um ápice, por um clímax, pelo menos, orgástico!

Eu nunca vivi em outros tempos ou, se vivi, não chego hoje a ter consciência de como foram eles. Mas, nesse meu tempo, tenho percebido o quanto as relações tendem a ser mais rápidas, mais intensas, mais fortes, ao contrário da superficialidade que é apontada pelos mais velhos que eu.

“- Te dou cinco minutos – diz A.

Sem perder tempo, após um forte olhar, A e B se beijam, se tocam, se esfregam, se sentem.

Um dos dois vai embora. O outro não sabe quem foi. Quem foi não sabe quem ficou. Quem ficou, também vai e a partida é, para ambos, uma possibilidade de chegada.”

Assim, nesse movimento que, ao que me parece, marca as relações desse hoje que começou não sei bem quando, não entendo o sentido do teatro gaúcho em insistir na perpetuação católica das convenções, análises, estruturas narrativas tão desprovidas de acontecimentos, embora tão cheias de “és e não és”, teses e mais teses, depoimentos e mais depoimentos sobre a vida a dois. Ainda bem que esse não é caso de “Dez (quase) amores”, adaptação de Bob Bahlis para o livro homônimo de Cláudia Tajes.

O grande mérito da produção do grupo é mesmo Cláudia Tajes e a forma como ela aborda o tema relacionamentos. Com isso, não quero dizer que o grupo não seja digno de elogios e considerações. Há muitas formas de se abordar a literatura para trazê-la para o palco: a leveza foi a feliz opção do grupo que nos proporciona, ao mesmo tempo em que se divertem, com um espetáculo simples, suave e sutil.

Não há grandes figurinos, tampouco cenários. Trilha sonora e luz seguem o mesmo padrão, como, se bem lembro, todas as grandes comédias românticas, anos 90 pra cá. As interpretações, como também no gênero fílmico, distoam: o elenco feminino (Rafaela Cassol e Cláudia Meneghetti) domina o palco, reina diante do público. O lado masculino ( Fábio Monteiro, Marcelo Naz, Gerson Oliveira e Beto Mônaco), apesar de alguns bons momentos, desprovidos de grandes personagens, pairam na beirada do universo de Tajes sem privilégios.

O ritmo da direção é rápido e não impõe barreiras. Bahlis sabe que está lidando com uma história contemporânea: a protagonista Maria Ana dá bom dia e boa noite num intervalo de segundos e sai de casa para o circo enquanto atravessa o palco. Uma década passa em uma cena, e um cigarro já informa qual é o clima em questão. Conta-se a história das desventuras amorosas de uma mulher que gosta de beijar na boca, ser feliz e ir pra praia que faz tudo isso no exato momento em que mostra que está fazendo. Nada, além do ato, é necessário. E entendemos tudo sem necessidade de grandes explicações.

Não há obrigações nem no palco nem na platéia. Só o prazer é permitido. O nome de A não importa para B (e espero que também não faça diferença para nós, C), como também não seu signo, origem, orientação sexual ou o estado civil.

“Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.”

17 de fev. de 2009

Rainha do Lar



Uma Rainha Absoluta

Uma tia minha sabiamente dizia que a diferença entre ricos e pobres não é existência de dinheiro. Daí o fato de tanta gente arrotar aspargo e comer azeitona e, da mesma forma, algumas pessoas usarem calças apertadas com poupanças gordas. A distância entre os extremos se alonga e diminui dependendo do valor que se dá para o bem que se tem. Assim, a conquista de uma casa quarto-sala por um casal recém formado às próprias custas faz com que esse imóvel se torne mais caro que uma cobertura no Leblon, presente de aniversário à cunhada recém abandonada pelo marido. Tanto numa casa como em outra, no caso da família tradicional, a figura da Dona de Casa é passível de existir. Não é, dessa forma, o reino e os habitantes dele que importam, mas a conquista dele. Não é atoa que há muito mais quadros em honra a Dom Pedro I do que a Dom Pedro II, mesmo o pai tendo reinado no Brasil por nove anos e o filho cinqüenta e oito.

Em “Rainha do Lar”, texto de Lisiane Berti, não há conquistas. A personagem título, no seu primeiro minuto em cena, diz algo do tipo: “Eu sou feliz e tenho tudo o que quero.” O que nos resta? Dizer: “Que bom!” e ir embora. Desde então, já sabemos que nada vai acontecer, a não ser pequenas ações que falseiem uma curva dramática que, de fato, não existe. É uma dissertação sobre a importância da Dona de Casa na estrutura da família, na conservação da casa e na preservação dos valores tradicionais.

Mas não vamos embora. O público de Porto Alegre é educado demais para isso. Não é, felizmente, só de gentileza que vive a platéia da Cia. Halarde de Teatro nesse espetáculo. A atriz, Lúcia Bendati, é uma ótima atriz por dar corpo, nesse texto, a momentos interessantes como o programa de culinária, o presente da vizinha e o solo de cantora. Para mim, a apresentação da família é o momento mais importante: é nele que sentimos o carisma de Bendati em cativar o público e pedir-lhe um voto de confiança. E o tem.

Cabe ao figurino e ao cenário (Cláudio Benevenga) uma tarefa essencial na sustentação dramática: fazer com que associemos a idéia de Dona de Casa ao conceito de Mãe. Mãe todos temos, dona de casa ou não. E não aplaudir a peça acaba funcionando com um insulto à mãe. As fotos da família nas canecas de café da manhã, as roupas para passar, as tomadas nas paredes do cenário e a bolsinha dourada que acompanha a roupa “de sair” da mamãe nos situam num universo de memórias e reflexões. Ao plano ideal, Benevenga, fazendo com que roupas, talheres e eletrodomésticos brilhassem de tão novos, e Paulo Guerra, o diretor, criando uma Rainha do Lar Cantora, se dirige o que é dito pelo texto enquanto cartaz a favor das mamães e vovós rainhas de seus lares. Faltou, em alguns momentos, a trilha sonora amparando a atriz nos seus solos. Não se trata de consolidação de estereótipos, mas do firmamento de uma concepção baseada na idealização (Se alguém lembrou de O Mundo da Lua, sitcom brasileiro dos anos 80, acertou!).

O absolutismo dessa Rainha, que já começa satisfeita, não nos evitou de amá-la, mas nos deixou com vontade das aventuras republicanas e das acirradas campanhas presidenciais que não encontraram espaço em sua apresentação.

15 de fev. de 2009

Bailei na Curva


Para dizer que vai ao teatro em Porto Alegre


Foi muito forte para nós, alunos de Direção de Arte, ouvir da boca do Prof. Voltaire Danckwardt que não se chamasse artista aquele que nunca tivesse lido Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa. A mesma força gostaria de ter ao dizer, por mim, que ninguém diga por aí que vai ao teatro em Porto Alegre sem que, ao menos uma vez na vida, tenha assistido a Bailei na Curva.

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Ontem encontrei um amigo que me dizia que Bailei na Curva começa bem, mas que, do meio pro fim, parecia que “a coisa ia caindo...” Ele não sabia explicar se era algo na história que acontecia para isso ou se ele é quem tinha rido tanto na primeira parte que, na segunda, tinha ficado cansado. Eu, por mim, pensei que é assim mesmo. Aos 10, quando batiam na minha casa me chamando pra brincar de carrinho no terreno baldio da frente, em dois toques, eu já estava fazendo argila pra construir as estradinhas. Aos 13, eu já ficava meio cansado disso. E, aos 16, tinha uma casa construída em cima do terreno baldio, das estradinhas e, provavelmente, do meu carrinho. Na dramaturgia costurada por Júlio Conte a partir de improvisações do primeiro elenco (1983 – Grupo Do Jeito Que Dá), não há caídas nem levantadas porque não há uma linha una. O conflito é exterior aos personagens que convivem com ele sem resolvê-lo. Assim, não há pontos de mudança ou clímax. O tempo é quem passa e modifica os objetivos de cada personagem fazendo com que, como é natural, esse também mude de trama. O problema está ali e o vemos. E, se não podemos lutar contra ele, em função de nossa redenção (e ápice, na trajetória clássica do personagem), melhor é tê-lo como amigo. “E nos oitenta, eu não vou me perder por aí...”

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Na saída, vi uma senhora dizendo que ela gosta de Bailei porque ela se vê no palco, que aquele tempo era o tempo dela. Seus filhos e netos, ao redor, olhavam a parenta e eram testemunhas da alegria que sentia por estar ali acompanhada dos seus após ter voltado no tempo de suas lembranças. Eu, por mim, pensei que a única coisa que me identifica na história é que lembro de ver uma multidão de pessoas na frente da minha casa e o meu pai dizendo que aquele era o enterro do presidente. Eu morava na Avenida Paulista em 1985 e vi Tancredo Neves num caixão em cima de um caminhão de bombeiros achando mais legal o caminhão do que o tal Neves. Hermes Mancilha, Márcia do Canto, Cláudia Accurso, Flávio Bicca Rocha, Regina Goulart e Lúcia Serpa, todos entre a senhora na saída do Teatro São Pedro e eu, construíram junto de Conte uma história baseada em suas memórias políticas e corporais. Jango e Sarney aparecem nos diálogos assim como brincadeiras de rua (“A calçada é minha e não é dono”), experiências sexuais ( em frente à “prainha” e na “reúna”) e refeições no RU da Ufrgs. É a história do Brasil tanto quanto é a história deles. E ver os outros contarem suas histórias é o melhor jeito de fazer com que pensemos nas nossas.

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Um ator comentou comigo na saída de outro espetáculo que Patrícia Soso (intérprete de, entre outros personagens, Gabriela e Betiranha) e Érico Ramos (Torugo, Paulo e outros) são os melhores em cena. Eu, por mim, já disse aqui que a maior habilidade de Júlio Conte como diretor é sua incrível capacidade de: 1) reconhecer o que o ator tem de melhor na sua forma de expressão; 2) desenvolver e multiplicar esse talento, seja ele grande ou pequeno; e 3) uni-lo aos demais do grupo a fim de construir uma unidade no conjunto cênico que nos faça reconhecer em Ian Ramil (Pau’Renato e a Freira) e em Leonardo Barison (Caco e Rodrigo) marcantes aparições, em Juliana Brondani (Luciana e Marília) e em Cintia Ferrer (Ana e Carmem) presenças cênicas fortes e em Evandro Elias (Pedro) e em Melissa Dornelles (Dona Elvira) uma sensibilidade vital aos personagens que representam. Num amontoado de grandes e pequenas construções, cada pessoa na platéia pode escolher aqueles que lhe marcaram mais. É, no entanto, difícil dizer, mesmo para quem já assistiu à peça mais de trinta vezes como eu, quais são aqueles que sobram ou que lhes falte maior empenho do intérprete.

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Esse, aquele e aquele outro comentário sempre surge sobre Bailei. O fato é que não tenho registro (e faço o desafio) de algum espetáculo em cartaz no Brasil desde outubro de 1983 e que, no Porto Verão Alegre de 2009, solicita que o público procure chegar cedo para que não seja preciso o uso de cadeiras extras, como eu tive que sentar, tamanha é a lotação do São Pedro em dia de sua apresentação. Eu, por mim, sentado na platéia há 15 anos, ainda me emociono ao ouvir Horizontes tanto da boca dos privilegiados atores como daqueles, como eu, sentados sob a escuridão do lustre apagado da casa de espetáculo mais significativa que nós, aqueles que dizem que vão a teatro em Porto Alegre, temos.

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Ficha Técnica
ROTEIRO E TEXTO FINAL: Júlio ConteBaseado em improvisações de Cláudia Accurso, Flávio Bicca Rocha, Hermes Mancilha, Júlio Conte, Lúcia Serpa, Márcia do Canto e Regina Goulart
ELENCO: Cíntia Ferrer, Érico Ramos, Evandro Elias, Ian Ramil, Juliana Brondani, Leonardo Barison, Melissa Dornelles e Patrícia Soso
MÚSICA-TEMA: Flávio Bicca Rocha
TRILHA SONORA: Flávio Bicca Rocha e Júlio Conte
EDIÇÃO DE VÍDEOS: Roberto Scherer e Júlio Conte
ILUMINAÇÃO: Júlio Conte e Prego Pereira
PRODUÇÃO DE FIGURINOS: Patsy Cecato
DIREÇÃO: Júlio Conte
PRODUÇÃO: Cômica

14 de fev. de 2009

Dona Gorda



Foto: divulgação

À mesa, não pensemos em números


Não consigo. Já tentei. E lembro que, na primeira vez em que eu vi, aconteceu a mesma coisa. Gravações de programas de rádio e comerciais de TV vendendo produtos para emagrecer sem esforço. Um após o outro. Depoimentos, telefones, receitas, remédios, máquinas, conselhos, apelos. Lúcia Bendati entra já como a personagem Claudinha. Entra correndo, de malha, fazendo ginástica. Pega uma revista e depois outra e troca de exercícios. Começa a falar com a gente. A peça começa, mas as gravações não param. Claudinha experimenta roupas que lhe entram. (Tenho um armário cheio de calças que não me entram e camisas que ficam curtas.) A história com o ex-namorado, relacionamento de um mês de trinta e um dias (Já tive meus namoros de mês também, buá buá buá), começa a ser lembrada. Droga! Perdi! Não vi a gravação parar. Me escapuliu de novo. Fiquei preso na história e me esqueci. É como a gente nunca consegue ver que dormiu. Quando a gente está vendo, não estamos dormindo. Quando estamos dormindo, não conseguimos ver. Em “Dona Gorda”, a gente entra na história e não vê que isso aconteceu.

E que sonho bom! Daqueles perfeitinhos, sabe? Não é dos do tipo felizes. É daqueles que, quando você levanta, diz: “Nossa! Parecia real!” E, no caso da peça escrita por Lisiane Berti, é: “Parece eu!” Não tem como você não se identificar. Não há pessoa no mundo que, um dia, não se achou acima do peso. Sejam 100 gramas ou 30 quilos, todo mundo, em algum momento, se olhou no espelho e disse: “maldita sobremesa!” Mas não é só pela fácil identificação que a dramaturgia é boa: é porque preenche o espaço de tempo de uma forma tão cativante que cria outra linha de tempo, paralela, auxiliar, opcional, NARRATIVA. A gente embarca nessa linha motivados, sim, pela identificação, mas fica nela porque ela nos traz aventuras (o não resistir à geladeira), raiva (as piadinhas na balada) e emoção (o choro no táxi), além de elevar nosso espírito e nos devolver ao tempo real renovados, almas cheias, espírito forte.

A Claudinha de Lúcia é ágil, é carismática, é bonita, é uma criança que precisa de cuidados, mas que gosta de se sentir adulta para fazer o que quer e atingir seus próprios desafios. Provoca na gente um sentimento tão humano de não querer que ela sofra, desperta vontade de protegimento, requer nossa compaixão. A atriz tem noção de ritmo, é sensível à platéia (seja a de mais de 700 pessoas que lotaram o Auditório Pe. Werner da Unisinos na primeira vez em que eu vi, ou a Álvaro Moreyra.), tem um trabalho de personagem tão forte que lhe permite improvisar com elegância, e, acima de tudo, vive a peça em todos os sentidos exibindo um prazer em estar ali que é raro encontrar mesmo em monólogos.

Essa história de dizer que gordo come qualquer coisa é desmentida em “Dona Gorda” de Paulo Guerra. Nossa gorda Claudinha, não vive de qualquer coisa. O cenário (Tânia Castro) é uma das melhores coisas numa produção que só tem o melhor. Os ambientes trazem surpresas, promovem o clima e preenchem o espaço de um jeito a ocupar o vazio com sentidos que convertam para o centro. A forração dos móveis trazem sentidos. A decoração da rua traz sentido. A manequim traz sentido. Nada é desperdiçado, nem mesmo uma migalha de pizza. O mesmo para o figurino (Luciana Éboli), para a trilha (Jean Presser) e para a luz (Anilton Souza). Cada caloria existente, cada centavo empregado, cada minuto gasto é muito bem utilizado nessa comédia tão deliciosa da Cia. Halarde que nos faz rir e nos permite enternecer.

Alguém poderia dizer que a culpa por eu não ter notado o exatamente onde a gravação inicial desapareceu é do Zé Mário Storino, operador de som, que foi diminuindo o volume cada vez mais. Eu prefiro lembrar que, quando a comida é boa, por mais calórica que a gente saiba que ela seja, à mesa, dá indigestão pensar em números.

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Ficha Técnica:

Texto: Lisiane Berti e Marcelo Vázquez
Atriz: Lúcia Bendati
Direção: Paulo Guerra
Participações Especiais ( em off ): Adriana Marques, José Alessandro, Luciano Figueiró e Paulo Sant’ana.

11 de fev. de 2009

Como agarrar um marido antes dos quarenta



E não era mesmo para ser assim?

Desde quando você ouve “Pode mandar beijinho?” no aviso para desligar os celulares que antecede o início da peça, você já sabe que verá algo leve e que tenderá a ser engraçado. O cartaz com a foto das três atrizes e o cenário já deixam claro que se trata de uma produção bem cuidada, que valoriza o teatro e respeita o seu público dando a ele o que há de melhor no possível. A peça começa e já sabemos exatamente como será o fim. Confortavelmente, nos ajeitamos na poltrona para não pensar em mais nada, para sorrir, rir e gargalhar. Tranqüilidade. Segurança. Conforto. Figurinos, luz, cenário e sonoplastia quase não mudam e o que está visto é digno de crédito. As três atrizes estão naturais, à vontade, espontâneas em cena, aproveitando as nossas risadas no exato momento em que, eficientemente, as despertam. As piadas não são forçadas. Apenas se apresentam como piadas. Tão bem contadas que são, nós rimos. E não era mesmo pra rir?

Como agarrar um marido antes dos quarenta” é um mar onde você pode levar as crianças e dormir na areia. Não oferece nenhuma mudança repentina, nenhuma grande surpresa, nada que te deixe impressionado e, felizmente, nada que te decepcione. É uma “boa e velha” comédia de costumes estruturada a partir de um texto de Cláudio Benevenga, que também assina a direção. Tem sal, tem ondinhas, tem areias brancas, sol e muita água. De quebra, uma caipirinha, corpos bonitos e familiares: é simples, é bom e é bem feito. E não era mesmo para ser assim?

Marlise Damine protagoniza, agoniza e têm a sua redenção tal qual Catarina de Petrucchio. Denizeli Cardoso serve de apoio à protagonista como a Ama a sua Julieta. É um personagem sem conflito com uma função bem estabelecida, cuja interpretação é muito bem conduzida pela atriz cônscia de sua missão de coadjuvante. Suzi Martinez é a responsável número 1 pela comédia, o Píramo e, ao mesmo tempo, o Puck de Atenas. Juntas, o elenco afinado de Benevenga atravessam uma hora e meia de espetáculo para chegar ao ponto exato previsto desde o início. Era mesmo para ser assim.

Há horas em que o sol desaparece e o riso some com o baixar do ritmo. A imagem horrenda do trânsito na free way surge na nossa cabeça. “Lúcia”, a encalhada, permanece com os mesmos problemas durante todo o tempo da peça sem alterações. Ela muda de repente, sem que isso tenha sido preparado por um crescente de pequenos eventos ou pela existência dos sydfieldianos pontos de mudança. Essa demora em haver modificações cansa o espectador. Por outro lado, aumenta a responsabilidade das piadas e das ações em chamar nossa atenção. Não era para ser assim, mas sendo, não traz nada assim tão grave que faça com que a gente não se queime mesmo no mormaço.

A dissertação está nas lições finais o que aumenta o mérito desse bom espetáculo. Olhando para o lado, quantas e quantas produções gaúchas fazem disso o espetáculo inteiro? É. Não era mesmo para ser assim!

9 de fev. de 2009

O Urso


O Porto Verão de Alegre e de Odessa

Deborah Finocchiaro constrói “O Urso” de uma forma que poderia ser vista por qualquer povo (civilizado?) do Universo. Quisera eu ser japonês, australiano, sul-africano para comprovar isso. Teria sido mal educado, mas vontade me deu, de tampar meus ouvidos e apenas ver a peça. Sorte minha que, em alguns momentos, consegui me desvencilhar do sentido da audição e sair da Rússia de Tchekov e chegar ao lugar criado pelo premiado Grupo dos Cinco. Utilizando-se do que ficou na peneira por onde passou tudo quanto é estudo de técnica teatral de que o grupo dispunha, os Cinco disseram adeus pra literatura e olá para o teatro.

“Que bom que você veio!!”

As palavras ditas em cena apenas repetem o que diz os movimentos de cada ator e a coreografia do grupo. As expressões do corpo repetem, por sua vez, o que dizem as faces e vice-versa. Uma atriz repete o que faz a outra, e o ator repete o que ele mesmo diz. A repetição produz o alargamento do tempo no sentido eisensteiniano da palavra porque não é só de Tchekov que vive a Rússia. Não se trata apenas de tornar 50 minutos o que já foi 20 (O Urso se apresentou num Festival de Esquetes de Gravataí antes de estrear em Porto Alegre no formato atual), mas tornar três vezes os 20, cada uma com novas intensidades, diferentes pontos de vista e maior profundidade.

Há uma cena clássica em “Encouraçado Potemkin” (Sergei Einsenstein, Rússia, 1925) chamada de Escadaria de Odessa. Um grupo de marinheiros que tomou o comando do barco em que navegava chega à cidade para continuar e estabelecer a revolução também em terra firme. No porto de Odessa, há uma longa escadaria no alto da qual há militares prontos para lutar. Os revoltosos sobem a escadaria e os militares a descem. Uma ação que, no melhor do cinema hollywoodiano, duraria não mais de meio minuto. No clássico russo, a ação se aproxima de um quarto de hora. O que ocorre é uma visita à cada expressão, um olhar diferente por sobre a emoção já exalada a fim de senti-la novamente, mas de um jeito diferente. Acrescenta-se uma outra informação, atualiza-se o campo já construído. Alarga-se o tempo, amplia-se o olhar, desestrutura-se e se estrutura novamente as partes e o todo.

Quanto ao gênero, partimos do realismo e vamos ao melodrama, regressamos à farsa e à comédia e avançamos no teatro contemporâneo. Tudo banhado em preto numa estrutura coerente e que faz brilhar as interpretações de Elaine Regina, Simone Telechi e Elison Couto e torna inesquecível o Luká de Sandra Alencar. O “Verão” de Vivaldi coroa o Porto Verão de Alegre e de Odessa e faz com que saiamos no teatro sem ter dado gostosas gargalhadas ou nos emocionado as lágrimas, mas com a alma cheia de arte para driblar o suor da semana que começa.
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FICHA TÉCNICA
Texto - Anton Tchekhov
Direção - Deborah Finocchiaro
Elenco - Elaine Regina, Elison Couto, Sandra Alencar e Simone Telecchi
Iluminação e Operação de Luz - Fabrício Simões
Concepção e Montagem de Trilha Sonora - Edinho Espíndola e Marcelo Figueiredo
Operação de Som - Derli Rodrigues
Cenografia e Figurino - Grupo dos Cinco
Projeto Gráfico - Teresa Poester e Leandro Selister
Fotos - Cristiano Prim
Divulgação - Sandra Alencar
Produção - André Oliveira e Grupo dos Cinco
Realização - Grupo dos Cinco

Ópera do Malandro


O que faz um diretor de teatro?

- Estuda o texto e tenta descobrir a rede de significados que ele tem. Tenta porque sabe que nunca vai conseguir dar conta de tudo o que a obra possa representar, mas faz porque reconhece que significados não são peças soltas numa história, mas o resultado de um processo de relação de informações. O texto tem as informações, mas quem as relaciona, antes de todos, é o leitor. O diretor pode até não ser o primeiro, mas é o que sustenta a missão de ser esse leitor mais experiente. Disso, devem surgir certas sensações sobre a realidade da transformação do que é literatura em teatro. Gênero, construções, concepção estética. Percepção de que há propostas no texto que se relacionam entre si e que há outras que dependem de elementos externos. Assim, um musical cujo cenário surge do urgimento não combina com atores fumantes de cigarros apagados, sopas que não existem e uma massa branca no cabelo para fazer de conta que é grisalho. Tampouco que uma senhora católica não recebe ninguém vestida em langerie e que se reconhece um gramophone de papelão de longe! O diretor, por ter estudado as potencialidades da obra, visualiza que no século XVII não se montava Shakespeare como era feito no século anterior e que em 2009 não se monta uma peça de 1978 tal qual está no roteiro. Que com atores inexperientes não se faz uma produção de três horas, como Chico Buarque fez com um elenco composto por Ary Fontoura, Maria Alice Vergueiro, Marieta Severo, Otávio Augusto, Cláudia Gimenez, Emiliano Queiroz, Neuza Borges e outros. Que não é possível tantas referências do Rio de Janeiro de 1940 em Porto Alegre século XXI. Enfim, antes de começar a produção, o diretor entende que a passagem da palavra para a ação não significa apenas meter o texto na boca dos atores e tudo está pronto, mas que é de teatro que estamos falando e isso sugere que há muito, muito mesmo, o que fazer.

- Estuda o que já se fez com esse texto, descobre filmes, gravações e procura ler sobre outras montagens do mesmo texto e adaptações dele. Lê sobre o gênero, pesquisa sobre a história e encontra mais possibilidades de relação no sentido de fazer com que haja níveis de compreensão, mas que o básico seja suficiente para aplausos de pé de desconhecidos e não só de amigos e parentes. Apenas ouvindo a adaptação de Charles Möeller e Cláudio Botelho, de 2003, já percebemos que o texto original de Buarque dirigido por Luiz Antônio Martinez Corrêa um ano antes do fim do AI-5 é ótimo, mas há muito o que se fazer nele para que os sentidos se atualizem. Muito precisa ser cortado e substituído e o diretor, já no início dos ensaios, sente que 173 páginas de texto são inviáveis para a realidade que temos. O diretor senta na platéia e vê seu espetáculo nascer. Quando uma cena, ou quase todas, não tem ritmo, é preciso dizer: “Diminui isso, corta aquilo, fala isso de um jeito diferente, diz isso usando algo que não seja palavra, isso já foi dito, então, diz algo novo.” Percebe que há coisas que não são compreendidas por falta de dicção, que cochilamos em diálogos decorados e sem intenção, que não há, em muitos casos, níveis e, muito menos, construções de personagem. Vê que Geni (Boni Rangel) e Max estão à vontade na suas interpretações, ao lado de um grupo de atores que não foram preparados para serem atores ou, se foram, nada mostram sobre isso. Que Vitória vai de ruim a boa ao longo da peça, que o grupo das prostitutas é menos raso que a “Macacada”, e que o lento Chaves (Diego Brasil) e o duro Duran (Ernani Poeta, que assina a direção) só não são piores que João Alegre. Que é preciso parar e estudar o corpo já que, antes de ser musical, “Ópera do Malandro” é teatro e não é teatro de bonecos. Que no palco deve haver mais que um belo cenário e ótimos figurinos, que há que se ter foco, marcação, coreografia que norteie e prenda a atenção do público que lota o teatro.

- Pensa que para se fazer um musical hoje não é possível utilizar microfones espalhados pelo palco e dois pedestais com fios que nem sempre funcionam, diferente da microfonia que grita sempre irritando nossos ouvidos antes e depois de um intervalo que divide os dois atos. Que já existem microfones sem fio que ajudariam muito o grupo de cantores tão bem afinados com exceção das interpretações de “Tango do Covil” e “Uma canção desnaturada”. Mas, sobretudo, prepara os atores para lidarem com falhas na tecnologia para que eles não mostrem com tanta clareza que estão tão perdidos e amedrontados quando um microfone não funciona a ponto de cochicharem em cena aberta sem saber o que fazer, tal como, graças a deus, raramente se vê no pior do teatro amador ou estudantil. Que o elenco de músicos, atores e bailarinos precisam estar preparados para projetarem a voz, o corpo, os passos, a energia que preenche o palco mais que a bela luz e a linda trilha.

-TEM CORAGEM, acima de tudo, de fazer o que quer fazer, mesmo sem condições e sem conhecimento (o que não o desculpa de não correr atrás tanto de um como de outro), decidido a produzir um musical na capital gaúcha tão farta de pequenos projetos. Tem ousadia de avisar para os colegas diretores que há urgimento no Teatro de Câmara a espera de bons usos e que há vozes ensaiadas e músicos dispostos, mesmo que carentes de alguém que lhes dirija, guie, faça ver, veja e permita que o sonho do musical aconteça.

6 de fev. de 2009

Casadíssima


Renata Peppl: casadíssima com seu público


Reza a lenda que casar é transformar dois em um. Unir até que a morte separe. Sim, Porto Alegre aceitou a mão de Renata Peppl...
...na saúde e na doença...
O carisma de Renata é o que há de mais saudável na peça, seguido da sutil interpretação de Alexandre Scapini por quem, homens ou mulheres, nos apaixonamos. Vítima de Suzana, o maridão Ricardo, fora das neuroses da esposa, bóia em quase tudo o que ela tem dúvida e está certo de que a vida é boa como está e como é. Alexandre quase não mexe os olhos, seus movimentos são contidos, sua respiração é segura. O espaço que isso causa é ocupado por Renata que, docemente, preenche as cenas se movimentando com leveza, com graça e com muita firmeza.
Não é só a mãe bêbada de Simone que não é saudável. Doente é toda e qualquer escapada que esse roteiro feito para ser bom dá em direção ao escatológico. Cena de vômito, segue a de peido. Caganeira, tirar tatu de nariz e limpar orelha são momentos mal engraçados que tomam o lugar de outros momentos bem engraçados.
... na riqueza e na pobreza...
Os figurinos são simples, o cenário mais ainda. Luz e trilha são adequados no seu destino de não aparecer fazendo outros elementos brilharem. É rica a estética de Casadíssima com um programa tão bem cuidado, com momentos tão plenos como o da serenata, em que bonecos aparecem sem fazer desaparecer a força de Suzana em pessoa. É a cena mais rica de todas e explorada em todos os sentidos.
Pobres são as perucas mal penteadas e a ausência de um figurino que diferencie o contra-regra. Toda vez que ele entra, por usar um figurino parecido com os demais atores, dá a impressão de que algo, com ele, acontecerá. A maquiagem deixa a desejar. Paupérrimo, no entanto, são as contruções da mãe de Simone e de sua amiga, de Marieta e da cliente de Ricardo. Se tirarmos os peitos da amiga, o cigarro da mãe, o problema na perna da cliente e o ombro de Marieta, nada fica desses personagens tão desperdiçados.
... na alegria e na tristeza...
É uma alegria ver uma platéia tão cheia! Fazia anos que eu não precisava sentar na última fileira do Sesc!Fora ouvir os comentários nos corredores e banheiros, citando a peça como um dos melhores programas do verão. Parabéns!!
Triste é não ter visto, ainda, Solteríssima.
Até que a morte os separe!
O beijo final eu deixo para a forma como a história termina. Mas isso, só casando para saber!
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ELENCO:
Renata Pepp
lAlexandre Scapini
José Alessandro
Juliane Bitencourt
Amanda Oliveira
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FICHA TÉCNICA:
Texto: Renata Peppl
Direção Cênica: Tiago Melo
Direção de Produção RS: José Alessandro
Direção de Produção RIO: Israel Linhares
Produção Executiva RIO: Ricardo Leal
Trilha Sonora Pesquisada: Tiago Melo
Cenário: José Alessandro
Figurino: Tem Inço na CoxiaI
luminação: Anilton Souza / Tiago Souza
Sonoplastia: Gabriel Souza / Tiago Souza
Efeitos Sonoros: Jean Presser
Cenotécnico: Maurício Mendes Nunes e Antonio Pereira e Silva
Contra-regragem: Marcos Guimarães
Fotografias: Elias Eberhardt
Projeto Gráfico e web: José Alessandro
Divulgação no RS: José Alessandro e Renata Peppl
Assessoria de Imprensa RJ: Dulce Siqueira

2 de fev. de 2009

Sonho de uma noite de verão


A língua da serpente

“Meus caros amigos,

Após 22 anos como diretor desse teatro, vou fazer um pequeno discurso sem ter o menor talento para isso. Improvisar não é o meu forte. Diferente do meu pai, que era um grande orador, meu único talento, se é que pode ser chamado assim, é o afeto que tenho pelo nosso pequeno mundo, àqueles que trabalham no teatro, entre estas paredes. Sim, todos são caros a mim como eu a eles. Lá fora, está o grande mundo e sua realidade que o nosso pequeno mundo reflete fugidiamente e nos revela um pouco do seu mistério. Proporcionamos às pessoas que aqui vêm, por um breve instante, uma chance de esquecer, por alguns segundos, o rosto severo. O rosto da realidade. E a dureza do mundo exterior. Nosso teatro é um refúgio do triunfo, do fazer bem, da consciência profissional e do amor.”

(Fanny & Alexander (Ingmar Bergman, Suécia, 1982)
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Viajamos no tempo, no espaço e na dimensão quando uma produção teatral é nos apresentada dignamente, como é o caso de “Sonho de uma noite de verão”,de Shakespeare, de Daniela Carmona, de Adriano Baségio, da Cia do Giro E NOSSA. Não resolvemos os problemas, não mudamos a cara da realidade, nem tampouco chegamos a esquecer de que estamos sentados num teatro junto de uma pequena multidão de pessoas. Mas mudamos o foco, alteramos o ponto de vista, relaxamos a testa e distendemos os dentes para sorrir.
O visual, o sonoro, o majestoso, o imponente e o leve de um sussurro numa noite de verão não só permite como, principalmente, estimula os espíritos desprevenidos (e também os espíritos chatos) a sonharem. Embarcamos na proposta e entramos na floresta habitada de seres mágicos, fadas, elfos, rainhas e reis, jovens, velhos e camponeses. Puck, Titânia, Oberon, Lisandro e Demétrio, Helena e Hérmia, fadas e trabalhadores a lutar contra a escuridão de uma noite, de um palco, de uma platéia usando suas armas, luzes, ensaios, talentos, técnicas, estudos, possibilidades. Preenchem. Lotam. Aumentam. Ganham o coração da noite e tornam claro o espaço cênico bem como embalam as poltronas da assistência. Como dizem os pseudo-atores que preparam uma peça para o casamento do Príncipe Teseu e da Princesa Hipólita, há muito trabalho a fazer quando o objetivo é entreter. E, embora não interesse saber o processo, o produto exorta suor, quando o houve no passado.
Por mais que as cenas de Atenas sejam desprovidas da mesma intensidade ( o ritmo diminui logo quando termina o prólogo e entra um monocórdio e nervoso Egeu, acompanhado de um também monocórdio e duro Teseu), é nas cenas de Titânia, Puck, Oberon e Píramo que nossa imaginação e prazer moram. Por outro lado, a emoção está na velocidade do troca-troca por que passam os personagens Lisandro – Hérmia – Demétrio – Helena (estranhamente parecida com “Betty a feia”), esses há tantos séculos (mais de quatro!) arrebatando platéias no mundo todo quando mostram, como é o caso, criação, energia, disponibilidade e segurança. É diversão garantida para quem não tem medo da realidade, mas gosta de manipulá-la com uma trilha tão bem escolhida, um figurino tão bem desenhado e uma luz tão criativamente utilizada.
Tisbe, o muro e Píramo são o melhor conjunto do conjunto e, ao mesmo tempo, o pior. O melhor porque os três ótimos atores (Léo Maciel, Laura Leão e Arlete Cunha) divertem divertindo-se porque sabem que o trabalho que deu para construir todas aquelas partituras já ficou para trás. São, infelizmente o pior, porque, no Porto Verão Alegre, funcionam como despertador. Acordam-nos dessa noite agradável de verão para a realidade de tantas produções onde um muro é uma roupa qualquer, uma peruca é uma donzela e uma vela é a lua. Um ensaio de uma noite é o suficiente para ganhar uns ducados e não ir à forca.

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Não, Puck. Não nos causou enfado. Ao contrário, Bom Robin, até a língua da serpente acalmaria com teus amigos das sombras.

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ELENCO:
Adriano Basegio
Arlete Cunha
Gustavo Razzera
Daniela Carmona
Fernanda Nascimento
Francisco de los Santos
João Pedro Madureira
Larissa Sanguiné
Laura Leão
Leo Maciel
Luiza Ollé
Rafael Tombini
Tássia Pfeifer
Tatiana Vinhais
Ticiana Bernardon

FICHA TÉCNICA:

Direção: Adriano Baségio e Daniela Carmona
Cenário e Figurinos: Antônio Rabadan
Iluminação: Fernando Ochôa
Trilha Sonora: Fábio Mentz, Adriano Baségio e Álvaro RosaCosta

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